Um dos
“argumentos” frequentemente usados para justificar as privatizações, seja ela
feita diretamente ou por meio de parcerias com fundações e associações, compra
de serviço, terceirização, subvenção ao setor privado, entre outras, é a
hipótese que o setor privado é mais eficiente que o setor público. Entretanto, essa
hipótese está errada.
Ensino
superior
Vejamos o caso do ensino
superior. Quanto ao aspecto apenas financeiro ou econômico, é fácil verificar a
superioridade do setor público: o custo de manutenção de um estudante em um
curso na USP é inferior ao custo em um mesmo curso e com a mesma qualidade oferecido
pelo setor privado. Para ilustrar isso, vamos examinar o orçamento da USP.
Como o objetivo aqui é
comparar os custos do ensino, as despesas com aposentadorias e pensões devem
ser subtraídas do orçamento da USP, uma vez que elas não são despesas educacionais
e nas instituições privadas elas são feitas pelo INSS ou por fundos de aposentadoria
e, portanto, não estão no orçamento da instituição. Um segundo aspecto diz
respeito às despesas com pesquisa, feitas pela e na universidade, que não devem
ser incluídas como despesas com ensino uma vez que elas são, nas contas nacionais,
incluídas nas despesas com ciência e tecnologia; incluí-las também como
despesas com educação seria fazer uma dupla contabilidade. (Essas despesas com
pesquisa em instituições de ensino foram estimadas com base em recomendações
internacionais padronizadas, descritas no Manual de Frascati, documento comumente
utilizado no Brasil como referência para cálculo dos investimentos em ciência e
tecnologia, como, por exemplo, nos Indicadores de Ciência, Tecnologia e
Inovação em São Paulo em 2010, publicado pela Fapesp.)
Nas estimativas apresentadas
a seguir foram considerados os orçamentos das várias unidades, acrescidos das despesas
não alocadas a unidades específicas (prefeituras dos campi, reitoria etc.), que
foram distribuídas pelas unidades na proporção do número de alunos. No caso de
algumas unidades que oferecem cursos a estudantes de outras unidades em
quantidade significativa, parte do orçamento foi atribuído àquelas unidades que
recebem os cursos. Os orçamentos dos hospitais, dos museus, da Edusp e de
alguns outros órgãos cujas atividades não são exclusivamente, ou, pelo menos, majoritariamente
destinados ao ensino, foram parcialmente distribuídos por todas as unidades na
proporção das matrículas, ou, quando era o caso, apenas pelas unidades cujas
atividades eram mais próximas às daqueles órgãos.
É possível analisar os
custos por aluno dos vários cursos separando‑os em três grupos: cursos cujas
cargas horárias dos estudantes são grandes e os laboratórios bastante complexos,
sendo medicina o mais típico deles; cursos com cargas horárias intermediárias e
com laboratórios relativamente complexos, como os das áreas de ciências básicas
ou engenharia; e cursos que não exigem laboratórios ou estes se resumem a sistemas
de computação, como, por exemplo, matemática ou os cursos de humanidades. As
despesas por estudante foram calculadas considerando-se matrículas de graduação
e de pós-graduação. Usando as informações do Anuário Estatístico da USP, podemos
estimar os custos mensais de um estudante em cada um desses três grupos. A
valores atualizados para 2022, eles são da ordem de R$ 6.000, R$ 4.000,
R$ 2.500, respectivamente. Esses valores estão abaixo dos valores das
mensalidades dos cursos das mesmas áreas e com qualidade equivalente nas
instituições privadas.
Caso as despesas com
pesquisa, estimadas como sendo da ordem de 25% do orçamento total da Universidade,
não tivessem sido excluídas, ainda assim o custo de uma matrícula na USP
estaria abaixo da praticada pelo setor privado, sempre considerando cursos equivalentes.
Vale observar que esses
valores estimados têm incertezas devidas a muitos fatores. Por exemplo, vários
orçamentos, como do centro esportivo ou da assistência estudantil, foram distribuídos
pelas unidades na proporção da quantidade de estudantes, apesar do uso desses
recursos poder variar entre estudantes das diferentes unidades, dos cursos
noturno e diurno etc. Os custos dos diferentes cursos em cada um daqueles três
grupos também variam assim como o custo em um mesmo curso em campi diferentes. Essas
variações são, em média, da ordem de 20 ou 30%. Entretanto, como o orçamento
total é fixo, caso os valores para alguns cursos tenham sido subestimados,
outros, necessariamente, estarão superestimados e, portanto, não deve haver um
erro para menos ou para mais em todas as estimativas.
Essas
estimativas estão de acordo com outras feitas ao longo das últimas duas décadas,
algumas delas publicadas neste Jornal. Esse fato mostra que não houve mudanças
na tendência geral, quer quanto ao valor dos investimentos por aluno, quer
quanto à comparação entre os setores público e privado.
Educação básica e saúde
Situação similar ocorre na
educação básica. Dadas as mesmas condições econômicas e sociais dos estudantes e
considerando uma mesma região do país, estudantes das instituições privadas só
apresentam um desempenho equivalente ao dos estudantes das escolas públicas
quando seus orçamentos, por matrícula, são bem superiores aos orçamentos das
escolas públicas. Essa afirmação tem como base análise dos microdados do ENEM.
Como regra, embora possa
haver exceções, o setor público oferece um atendimento aos estudantes melhor do
que o oferecido pelo setor privado cujas instituições têm o mesmo orçamento por
pessoa matriculada. Como corolário dessa constatação, com a mesma quantidade de
recursos por aluno, o setor público obtém melhor desempenho que o setor
privado, tanto no ensino superior como na educação básica.
Não é apenas na educação
que o setor público se mostra mais eficiente e obtém melhores resultados. Na
área de saúde ocorre o mesmo: nenhum sistema privado de saúde conseguiria o desempenho
do SUS com um orçamento equivalente, da ordem de R$ 150 por mês e por pessoa,
aí incluídas as despesas da União, dos Estados e do Distrito Federal.
Conclusão
Além da questão meramente
financeira, há muitos pontos positivos a favor do ensino público em comparação
com o ensino privado. O setor público, por não cobrar mensalidades, não depende
da capacidade da população para arcar com as despesas educacionais. Assim, ele pode
oferecer o curso mais necessário em cada região, independentemente do poder aquisitivo
da população local, coisa impossível no caso de instituições privadas. É comum,
nas instituições públicas, o oferecimento, aos estudantes, de alimentação subsidiada,
moradia e atendimento em saúde; a evasão tende a ser menor do que nas instituições
privadas e o acesso aos professores, maior. As possibilidades de atividades
culturais e esportivas é maior nas instituições públicas.
Talvez haja alguns
pouquíssimos casos em que é mais favorável uma colaboração com entidades não governamentais
para superar alguns problemas específicos e em alguns momentos. No entanto,
como regra e na enorme maioria dos casos, a privatização da educação escolar,
ainda que parcialmente, é uma péssima ideia e uma prática que deve ser repudiada.
Por implicar em piores desempenhos com a mesma quantidade de recursos, é muito
ruim, especialmente em um país carente de ensino e de profissionais e com
recursos financeiros também limitados.
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