Folha de S. Paulo, 21/02/2019, pág. A3, em co-autoria com Rubens B. de Camargo
Algumas das recentes propostas de
emenda constitucional apresentadas pelo governo federal irão afetar profundamente
as políticas públicas de educação e saúde. Elas são inaceitáveis!Em particular,
a PEC 188 propõe o estabelecimento de um limite comum para os investimentos públicos
nesses setores, em lugar de um patamar mínimo para cada um deles, como é hoje.
Nessa proposta, por exemplo,se os mínimos forem de 25% e 12% da arrecadação de impostos para
educação e saúde,respectivamente,seriam transformados em um mínimo para ambos de
37%, fazendo com que um aumento dos gastos com um deles possa
ser compensado com redução dos gastos do outro.
Para que essa proposta fosse aceitável,
seria necessário que o Brasil tivesse orçamentos superdimensionados para a
saúde e a educação, o que permitiria investir mais em um dos setores sem grandes
danos ao outro, o que, definitivamente, não é o caso. Na área de educação, o
setor público tem investido o equivalente acerca de 5% do PIB nacional.Esse
pequeno investimento fez com que nosso atraso educacional seja enorme: somos o
segundo país com maior taxa de analfabetismo adulto na América do Sul, melhor
apenas do que a situação da Guiana. Além disso, em nenhum estado a exigência
constitucional de universalização do ensino fundamental foi plenamente atingida:
hoje, de cada cinco ou seis crianças,uma não conclui o ensino fundamental
regular.
Países avançados, sem atrasos
educacionais e sem grandes contingentes de jovens na população investem valores
que, não raro, superam 6% do PIB. Apenas relativizando para a participação de
jovens na nossa população, perto de uma vez e meia à observada naqueles países,
precisaríamos investir cerca de 9% do nosso PIB. Considerando nossos atrasos
escolares, precisaríamos investimentos ainda maiores. Portanto, não há sobra de
recursos no sistema educacional que possa ser usado para a área de saúde; há
falta!
Não há, também, recursos públicos que
possam ser dispensados na área de saúde. Nos últimos anos, o Brasil tem
investido, por meio do setor público, pouco mais do que 3,5%do seu PIB em
saúde, o que nos coloca no grupo de países da América do Sul que menos investem
no setor. Países com bons sistemas de saúde, ricos ou não, investem, por meio
do setor público, valores próximos ou mesmo superiores a 7% de seus PIBs.
Aprovada a proposta, podemos encontrar
situações surreais. Um município, vítima de uma barragem que desmorona ou de uma
epidemia de febre amarela, coisas que impactam a área de saúde, reduz o número
de salas de aula, despede professores, reduz a remuneração dos que não são dispensados
etc., aumentando a evasão escolar e afetando a escolarização futura de sua população,o
que seria inaceitável.
Igualmente inaceitável seria o caso de
um município que, em forte crescimento econômico, receba grandes contingentes de
jovens trabalhadores com filhos em idade escolar. Neste caso, para compensar o
aumento dos gastos da educação, ele reduz o atendimento à saúde de sua
população.
Além dessas questões, há outros riscos para
a educação e a saúde públicas, como, por exemplo, incluir pagamentos de aposentados
e pensionistas dessas áreas como despesas nas vinculações constitucionais que
correspondem a cada uma delas. Somadas a esses problemas, há ainda outras
perdas imediatas ou potenciais nas recentes propostas de emendas da
Constituição, como a desobrigação de construção de escolas por parte do poder
público quando não houver o atendimento, a possibilidade de compra de vagas
escolares no setor privado, ou de uma política do tipo “vouchers educacionais”,
bem como a possibilidade de redução dos quadros de trabalhadores destes setores
públicos.
É fundamental barrar essas propostas.
Elas dificultarão ainda mais a construção de um país soberano, autônomo e
democrático. Seria essa a intenção desse governo?
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