6 de out. de 2020

Sobre escolas, exclusão e segregação

 Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, página A3, em 30/set/2020



Perto de 20% das crianças abandona a escola antes de completar os nove anos do ensino fundamental, obrigatório, por sinal. Até o final do ensino médio, a exclusão já terá atingido cerca de metade dos jovens. Se já hoje não ter completado o ensino fundamental e mesmo o médio é um limitante terrível na luta por empregos e pela inserção na sociedade, que perspectivas terão essas pessoas em um futuro cada vez mais complexo?


         Além da exclusão pura e simples, há também o enorme problema da dependência do desempenho estudantil com sua situação socioeconômica. Quinze mil escolas, públicas e privadas, cujos estudantes prestaram as provas do Enem foram classificadas, pelo Inep, segundo a situação socioeconômica dos estudantes, em sete níveis. Em nenhuma das escolas classificadas entre os três estratos inferiores, sejam elas públicas ou privadas, os estudantes conseguiram uma média superior a 650 pontos em matemática, uma nota de corte típica para cursos com procura intermediária. Nos quarto e quinto grupos socioeconômicos, menos do que 0,1% das escolas superavam aquele limite. No sexto grupo, apenas 2% das escolas conseguiram superar aqueles 650 pontos. A enorme maioria das escolas cujos estudantes atingem aqueles 650 pontos pertence ao sétimo grupo mais bem aquinhoado, aquele cuja renda familiar era de pelo menos dez salários mínimos, contava com empregado doméstico, tinha pelo menos três carros e duas geladeiras e outros indicadores equivalentes. Ou seja, o acesso às carreiras mais competitivas em instituições de ensino superior de qualidade, quer pelos critérios da nota no Enem, quer por vestibulares tradicionais, é coisa existente, como regra, apenas nos grupos economicamente superiores. Quando uma nota de corte perto de 700 é considerada, a situação se mostra ainda mais excludente: fora dos 5 ou 10% mais ricos, praticamente não há chances de sucesso.

         Seja pela simples eliminação do sistema escolar – que afeta, repetindo, perto da metade da população jovem antes do final do ensino médio –, seja pela deficiência na formação escolar, o sistema educacional brasileiro exclui grande parte de sua população da oportunidade de uma vida com plenas condições de se inserir na sociedade e, também, de dar sua contribuição à ela na forma de um profissional competente.

         Por causa dessas características, o sistema educacional brasileiro está contribuindo para reproduzir no futuro as desigualdades atuais, sejam elas nas diferenças de rendas entre as pessoas, sejam nas diferenças entre as várias regiões do país, de cada estado e de cada município. Nosso sistema educacional é simplesmente excludente e segregacionista.

Além disso, o país não está formando os quadros profissionais de que precisaria para se impor soberanamente entre os demais países. Sobre esse aspecto, vale lembrar que o Brasil, proporcionalmente à população, está próximo da centésima posição no que diz respeito à formação de profissionais em áreas absolutamente estratégicas, quer para o bem estar da população, como nas áreas de saúde, quer para a produção econômica, no caso das áreas técnicas mais avançadas.

         Para superar tal absurda situação é necessário um reforço nos recursos financeiros das escolas públicas, que são as que atendem a enorme maioria dos estudantes, em especial os mais desfavorecidos economicamente, para que possam oferecer oportunidades iguais a todos, independentemente de seus estratos sociais, econômicos e culturais.

         Mas, por tudo o que já se escreveu, debateu e nada mudou, só podemos chegar à conclusão de que essa situação é um projeto de país dos donos do poder. Portanto só mudaremos esse estado de coisas com muita pressão popular e luta dos trabalhadores, em especial dos trabalhadores da educação, seja em que governo for, pois sabemos que esses poderosos estão acima de qualquer governo.

 


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