Após o
final dos isolamentos, reduzir as perdas Jornal da USP, 12/maio/2020
A pandemia de Covid 19 praticamente todos os países a suspenderem
as atividades em suas escolas e universidades, afetando diretamente mais do que
1,5 bilhão de crianças e jovens. Como escolas são centros de interação humana e
de atividade social, seu fechamento afetará gravemente não apenas o aprendizado,
mas, também, o desenvolvimento de crianças e jovens em todos os seus aspectos.
As consequências disso são e serão bastante grandes[i].
As
enormes desigualdades sociais e econômicas do Brasil se manifestarão plenamente
no retorno às aulas, com alguns grupos sociais tendo pequenas perdas, graças às
condições culturais e econômicas de seus familiares e daqueles com os quais
permaneceram em contato durante o período de isolamento, e outros que,
afastados das escolas, apresentarão graves retrocessos nos desenvolvimentos
sociais e escolares.
Quando
esses retrocessos se manifestarem na forma de abandono dos estudos, troca de
escola ou reprovação, ainda que apenas em uma ou algumas disciplinas, as perdas
terão sido irrecuperáveis.
Para
minimizar as consequências do isolamento social, aulas e outras atividades à
distância têm sido adotadas. Mas estas não beneficiarão a todas as pessoas de
forma igual: se por um lado reduzirão as perdas, por outro, acirrarão as desigualdades,
uma das principais características negativas do sistema educacional brasileiro.
Ensino a distância como algo a
mais, sim; como substituto do presencial, não.
O
sistema educacional tem incorporado todos os recursos que surgiram ao longo do
tempo, inclusive de ensino a distância, como rádio, televisão, gravadores de
som, vídeos, mimeógrafo, apostilas, fotocópias e, mais recentemente, sites,
blogs, conversas em grupo, palestras gravadas etc.
Esses
recursos têm sido adotados sempre que eles significam alguma coisa a mais e
talvez não haja nenhuma pessoa que se dedique à educação e que seja contrária a
um aumento das emissões educativas no rádio e na televisão, nem contra a
reprodução e divulgação de materiais educacionais de qualquer forma. Mas,
entretanto, esses recursos não são aceitáveis como substitutos de recursos
melhores.
Portanto,
ao mesmo tempo em que devemos reconhecer os esforços de docentes e estudantes
que, neste período especial e difícil, têm adotado recursos para minimizar os
danos que a suspensão das aulas tem causado, devemos evitar que essas
atividades sejam entendidas com equivalentes às e substitutas das atividades
presenciais.
Atividades presenciais são
insubstituíveis
Com
o objetivo de orientar a forma da retomada das atividades depois do fim dos
confinamentos e isolamentos, é importante lembrar aspectos fundamentais do
ensino presencial, em especial na forma que eles existem nas boas universidades.
O
ambiente oferecido pelas instituições educacionais é especialmente adequado ao
processo de ensino e aprendizado e planejado para eliminar ou reduzir qualquer
fator que possa concorrer com as atividades didáticas, propiciando todas as
condições para concentração dos estudantes. Durante o período de uma aula
típica, há apenas um assunto em pauta e professores e estudantes se esforçam
para que a atenção não seja desviada para outros assuntos. Tais condições não são
propiciadas pelo EaD ou pelo estudo em casa, inclusive porque são raros os
casos de jovens que têm espaço e condição para criar ambientes nos locais de
moradia que permitam concentrar a atenção nos estudos durante horas seguidas,
ainda que tenham equipamentos eletrônicos disponíveis.
O
ambiente universitário oferece condições de estudo, aprendizagem e
desenvolvimento intelectual que nenhum outro ambiente consegue propiciar;
durante o período letivo, evita-se qualquer outra atividade que concorra com
aquelas.
Vale
lembrar também que, diferentemente do que pensa aquele que hoje (maio de 2020)
ocupa a cadeira de ministro da educação, nenhum outro ambiente como o que temos
nas universidades de qualidade é igualmente saudável, sob todos os aspectos: o
melhor lugar que um jovem pode estar é em uma universidade presencial e de
qualidade.
O
ambiente educacional presencial é fundamental para reduzir os efeitos das
diferenças sociais, econômicas e culturais dos estudantes, com contribuições
positivas para todos. Abrir mão desse recurso servirá para intensificar ainda
mais a desigualdade do nosso sistema educacional, uma vez que estudantes mais
desfavorecidos têm, como já afirmado, menores ou muito menores possibilidades de
dispor, no local de moradia, de tempo e espaço adequados à concentração e ao
estudo.
A
interação entre estudantes, entre estes e os professores, as discussões
presenciais permanentes e os frequentes trabalhos em grupo, propiciados pelo
ensino presencial, são fundamentais para o aprendizado. O acesso imediato a
professores, individualmente ou em grupo, comum nos ambientes universitários, é
parte integrante do processo de aprendizado.
Aulas
práticas, frequência a laboratórios de pesquisa, acesso imediato a publicações
especializadas, estágios supervisionados e trabalhos de campo são atividades
essenciais em muitos cursos e só podem ser oferecidas na quantidade e qualidade
necessárias no ensino presencial.
O desenvolvimento do conhecimento
depende da presença dos estudantes nas universidades
Programas
de iniciação científica, estágios, monitorias e trabalhos de pós-graduação são
importantes tanto para os estudantes como para o desenvolvimento da pesquisa acadêmica
como das atividades de extensão de serviços à sociedade. A interação entre
estudantes, entre estes e os professores, assim como o contato sistemático de
ambos com os objetos de conhecimento, são essenciais no processo educativo e no
desenvolvimento do conhecimento.
Uma
universidade contribui tanto para a formação de profissionais nas mais diversas
áreas, como para o desenvolvimento cultural e científico dos estudantes e para
sua integração na – e contribuição à – sociedade. As típicas atividades
estudantis adicionais às meramente curriculares encontradas nas universidades são
essenciais para se construir um país.
Omissão grave
As
instituições educacionais em geral tomaram providências para facilitar o acesso
a recursos de comunicação durante o período de confinamento provocado pela
covid-19, especialmente por meio eletrônico, para limitar as perdas possíveis
das atividades educacionais e de aprendizado. Mas essas facilidades atingem
apenas aquelas pessoas que têm acesso a computadores e celulares, sistemas adequados
de comunicação e condições no local de moradia para acompanhá-las. Com
raríssimas exceções, essas instituições esqueceram-se totalmente daquelas
pessoas sem recursos materiais e ambientais, como local e tempo adequados ao
estudo. Praticamente nenhum esforço foi feito para reduzir as dificuldades desses
estudantes.
Se
essas instituições se preocuparam, corretamente, em reduzir os danos do
isolamento de parte dos estudantes, foram totalmente omissas ao desconsiderar
as necessidades daquelas que mais perderão com o isolamento.
Reduzir as perdas
Para
que as perdas provocadas pelo isolamento social não levem a um acirramento das
dificuldades dos mais frágeis e a um aumento das já enormes desigualdades da sociedade
brasileira e do nosso sistema educacional, é fundamental que as universidades
cuidem para que todas as pessoas possam ter iguais chances de recuperação. Para
isso, são necessárias a retomada das aulas e de outras atividades presenciais e
o cumprimento dos programas e ementas dos cursos e disciplinas. Considerar as
atividades a distância durante o período de restrição de movimento como dias letivos
marginalizará muitos estudantes e contribuirá para o aumento de reprovações e
de abandono de curso.
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