22 de nov. de 2017

Superar a evasão antes do final do ensino fundamental

Publicado no Correio da Cidadania em 9/nov/2017

         Este é o segundo artigo de uma pequena série na qual se pretende analisar informações educacionais, fazer diagnósticos, apontar possíveis soluções e estimar o esforço necessário para implementá-las.


         Em um artigo anterior, foi apresentado um diagnóstico breve e geral da educação brasileira [1]. Entre os problemas mais graves apontados naquele artigo está a evasão escolar antes do término do ensino fundamental (EF), problema que atinge todos os estados do país. A gravidade dessa situação é enorme. A que atividades essas crianças hoje excluídas do EF poderão se dedicar ao longo das próximas décadas, se, já hoje, não ter o ensino fundamental completo é uma enorme barreira para a inclusão na sociedade? Onde o país irá conseguir os profissionais de que precisa com a enorme exclusão escolar – que não se esgota no ensino fundamental? Como superar ou pelo menos minorar as desigualdades regionais e de renda, que transformam o Brasil em um dos países mais injustos do mundo, quando se nega a um grande percentual de crianças as condições mínimas de sobrevivência com dignidade?
         Evidentemente, sonegar os direitos mínimos de cidadania a um grande contingente de pessoas é suficiente para inviabilizar o desenvolvimento de um país. Portanto, se quisermos, no futuro, ter um país democrático, socialmente desenvolvido e com um sistema produtivo que responda às necessidades da população, é necessário superar a evasão escolar em todos os níveis, em especial, no ensino fundamental. Vamos ver mais detalhadamente de que tamanho é o problema, avaliar o passivo que ele já gerou e o que precisamos fazer para superá-lo.
         Uma maneira de estimar o número de crianças que a cada ano deixa a escola sem completar o ensino fundamental é comparar os dados divulgados nas sinopses estatísticas do INEP com informações populacionais do IBGE. Essa metodologia indica que a evasão pode atingir uma em cada quatro crianças, um total próximo de um milhão a cada ano. Essa estimativa é confirmada pelo censo de 2010, que indica que das 43,8 milhões de pessoas entre 15 e 24 anos, 10,4 milhões não haviam completado o ensino fundamental, ou seja, um milhão da cada coorte etária de um ano. Como pessoas nessa faixa etária (15 a 24 anos) em 2010 deveriam ter frequentado o ensino fundamental por volta do ano 2000, concluímos que, naquela época, perto de um milhão de crianças abandonava a cada ano a escola sem completar o EF.
Vamos estimar o esforço que precisaríamos fazer para superar esse problema. Embora a exclusão possa ocorrer em qualquer ano do ensino fundamental, como praticamente a totalidade das crianças do país iniciam esse nível educacional, uma hipótese simplificada é que a evasão ocorra uniformemente ao longo de todo o ensino. Isso indica que para evitar que a cada ano um milhão de pessoas abandonem a escola antes dos nove anos de escolaridade obrigatória o país deveria ter cerca 4 milhões de matrículas a mais. Uma estimativa do investimento para manter essas crianças no sistema escolar, supondo um investimento por estudante próximo dos 25% da renda per capita nacional, porcentagem essa típica para países que têm bons sistemas educacionais, ricos ou não, é da ordem de 0,5% do PIB.
Esse é um investimento bastante pequeno, pois, além do ganho pessoal daqueles que deixam de ser prematuramente excluído, ocorreria também um ganho sob o ponto de vista financeiro, na medida em que um maior nível educacional permite uma vida economicamente ativa mais produtiva.
         Dívidas a serem pagas
         Há um grande contingente de pessoas que deixaram o banco escolar prematuramente, o que cria uma enorme dívida. Vamos estimar uma parte dessa dívida.
         A Constituição brasileira, desde 1988, afirma que o ensino fundamental é obrigatório, consequentemente, um direito de todas as crianças. Portanto, o país tem uma dívida pelo menos para com todas aquelas crianças que foram excluídas da escola antes de completar o EF desde aquele ano, um total da ordem de 20 a 30 milhões de pessoas. Pagar essa dívida implica em oferecer aproximadamente 100 milhões de pessoas‑anos de estudo (supondo, como já feito, que as pessoas deixem o sistema escolar ao longo de todo o percurso). Estimando o mesmo investimento por pessoa, da ordem de 25% da renda per capita para cada ano de escolaridade, pagar aquela dívida exige um esforço da ordem de 15% do PIB. Se quitada em uma década, precisaríamos de cerca de 1,5% do PIB a cada ano.
Essa enorme dívida social, caso não seja quitada, custará bem mais caro para o país. Claro que a maior parte da conta será paga pelas vítimas, que ocuparão posições muito subalternas na sociedade, serão marginalizadas, terão rendas muito baixas etc. Mas uma parte do custo será paga pela sociedade como um todo.

         Conclusão
         As quantidades citadas dão uma ideia de qual é o tamanho dos nossos déficits educacionais e dos esforços necessários para superá-los. Se estimativas como esses forem feitas considerando-se outras ações necessárias para colocar a educação brasileira em um patamar minimamente aceitável, o que inclui recursos para a remuneração dos profissionais da educação, aumento do número de horas de permanência na escola, melhora das condições de estudo e trabalho nas escolas, expansão do ensino superior público etc., a soma dos valores adicionais necessários chega próximo dos 5% do PIB.
Esse valor é totalmente aceitável, por várias razões, entre elas porque os investimentos educacionais contribuem significativamente para o próprio aumento do PIB e, portanto, se pagam em um prazo aceitável. Outra razão, ainda, é que uma população melhor escolarizada e com uma escolaridade menos desigual é condição necessária para viabilizar o desenvolvimento social de um país; um corolário desta última afirmação é que atrasos escolares como os nossos são suficientes para inviabilizar o desenvolvimento nacional.
Aumentar em 5% do PIB os investimentos em educação não significa reduzir o PIB; significa apenas destinar mais recursos para o setor. Como um percentual maior do PIB para um setor implica em um percentual menor para outros setores, desde que estes sejam adequadamente escolhidos, pode-se ganhar nas duas pontas.   

[1] A educação brasileira não vai nada bem, Correio da Cidadania, 23/outubro/2017, http://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/12904-a-educacao-brasileira-nao-vai-nada-bem

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