Publicado no Correio da Cidadania em 9/nov/2017
Este é o segundo artigo de uma pequena série na qual se
pretende analisar informações educacionais, fazer diagnósticos, apontar
possíveis soluções e estimar o esforço necessário para implementá-las.
Em um artigo anterior, foi apresentado um diagnóstico breve
e geral da educação brasileira [1]. Entre os problemas mais graves apontados
naquele artigo está a evasão escolar antes do término do ensino fundamental
(EF), problema que atinge todos os estados do país. A gravidade dessa situação
é enorme. A que atividades essas crianças hoje excluídas do EF poderão se
dedicar ao longo das próximas décadas, se, já hoje, não ter o ensino
fundamental completo é uma enorme barreira para a inclusão na sociedade? Onde o
país irá conseguir os profissionais de que precisa com a enorme exclusão
escolar – que não se esgota no ensino fundamental? Como superar ou pelo menos
minorar as desigualdades regionais e de renda, que transformam o Brasil em um
dos países mais injustos do mundo, quando se nega a um grande percentual de
crianças as condições mínimas de sobrevivência com dignidade?
Evidentemente, sonegar os direitos mínimos de cidadania a um
grande contingente de pessoas é suficiente para inviabilizar o desenvolvimento
de um país. Portanto, se quisermos, no futuro, ter um país democrático,
socialmente desenvolvido e com um sistema produtivo que responda às
necessidades da população, é necessário superar a evasão escolar em todos os
níveis, em especial, no ensino fundamental. Vamos ver mais detalhadamente de
que tamanho é o problema, avaliar o passivo que ele já gerou e o que precisamos
fazer para superá-lo.
Uma maneira de estimar o número de crianças que a cada ano
deixa a escola sem completar o ensino fundamental é comparar os dados
divulgados nas sinopses estatísticas do INEP com informações populacionais do
IBGE. Essa metodologia indica que a evasão pode atingir uma em cada quatro
crianças, um total próximo de um milhão a cada ano. Essa estimativa é
confirmada pelo censo de 2010, que indica que das 43,8 milhões de pessoas entre
15 e 24 anos, 10,4 milhões não haviam completado o ensino fundamental, ou seja,
um milhão da cada coorte etária de um ano. Como pessoas nessa faixa etária (15
a 24 anos) em 2010 deveriam ter frequentado o ensino fundamental por volta do
ano 2000, concluímos que, naquela época, perto de um milhão de crianças
abandonava a cada ano a escola sem completar o EF.
Vamos
estimar o esforço que precisaríamos fazer para superar esse problema. Embora a
exclusão possa ocorrer em qualquer ano do ensino fundamental, como praticamente
a totalidade das crianças do país iniciam esse nível educacional, uma hipótese
simplificada é que a evasão ocorra uniformemente ao longo de todo o ensino.
Isso indica que para evitar que a cada ano um milhão de pessoas abandonem a
escola antes dos nove anos de escolaridade obrigatória o país deveria ter cerca
4 milhões de matrículas a mais. Uma estimativa do investimento para manter
essas crianças no sistema escolar, supondo um investimento por estudante
próximo dos 25% da renda per capita nacional, porcentagem essa típica para
países que têm bons sistemas educacionais, ricos ou não, é da ordem de 0,5% do
PIB.
Esse
é um investimento bastante pequeno, pois, além do ganho pessoal daqueles que
deixam de ser prematuramente excluído, ocorreria também um ganho sob o ponto de
vista financeiro, na medida em que um maior nível educacional permite uma vida economicamente
ativa mais produtiva.
Dívidas
a serem pagas
Há um grande contingente de pessoas que deixaram o banco
escolar prematuramente, o que cria uma enorme dívida. Vamos estimar uma parte
dessa dívida.
A Constituição brasileira, desde 1988, afirma que o ensino fundamental
é obrigatório, consequentemente, um direito de todas as crianças. Portanto, o
país tem uma dívida pelo menos para com todas aquelas crianças que foram
excluídas da escola antes de completar o EF desde aquele ano, um total da ordem
de 20 a 30 milhões de pessoas. Pagar essa dívida implica em oferecer aproximadamente
100 milhões de pessoas‑anos de estudo (supondo, como já feito, que as pessoas
deixem o sistema escolar ao longo de todo o percurso). Estimando o mesmo
investimento por pessoa, da ordem de 25% da renda per capita para cada ano de
escolaridade, pagar aquela dívida exige um esforço da ordem de 15% do PIB. Se
quitada em uma década, precisaríamos de cerca de 1,5% do PIB a cada ano.
Essa
enorme dívida social, caso não seja quitada, custará bem mais caro para o país.
Claro que a maior parte da conta será paga pelas vítimas, que ocuparão posições
muito subalternas na sociedade, serão marginalizadas, terão rendas muito baixas
etc. Mas uma parte do custo será paga pela sociedade como um todo.
Conclusão
As quantidades citadas dão uma ideia de qual é o tamanho dos
nossos déficits educacionais e dos esforços necessários para superá-los. Se
estimativas como esses forem feitas considerando-se outras ações necessárias
para colocar a educação brasileira em um patamar minimamente aceitável, o que
inclui recursos para a remuneração dos profissionais da educação, aumento do número
de horas de permanência na escola, melhora das condições de estudo e trabalho
nas escolas, expansão do ensino superior público etc., a soma dos valores adicionais
necessários chega próximo dos 5% do PIB.
Esse
valor é totalmente aceitável, por várias razões, entre elas porque os
investimentos educacionais contribuem significativamente para o próprio aumento
do PIB e, portanto, se pagam em um prazo aceitável. Outra razão, ainda, é que uma
população melhor escolarizada e com uma escolaridade menos desigual é condição
necessária para viabilizar o desenvolvimento social de um país; um corolário
desta última afirmação é que atrasos escolares como os nossos são suficientes
para inviabilizar o desenvolvimento nacional.
Aumentar
em 5% do PIB os investimentos em educação não significa reduzir o PIB;
significa apenas destinar mais recursos para o setor. Como um percentual maior
do PIB para um setor implica em um percentual menor para outros setores, desde
que estes sejam adequadamente escolhidos, pode-se ganhar nas duas pontas.
[1] A educação brasileira
não vai nada bem, Correio da Cidadania, 23/outubro/2017, http://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/12904-a-educacao-brasileira-nao-vai-nada-bem
Nenhum comentário:
Postar um comentário