Como fruto do “clamor das ruas”, a Câmara dos Deputados, o Senado, assembleias legislativas, câmaras municipais e os poderes executivos federal, estaduais e municipais aprovaram, rejeitaram, propuseram, alteraram ou cancelaram medidas em uma velocidade surpreendente. Uma dessas medidas é a que destina recursos gerados pela exploração de hidrocarbonetos à educação, apelidada de royalties do pré-sal, embora ela não seja restrita apenas ao pré-sal e aos royalties, pois inclui outros combustíveis e outras taxas.
Na correria provocada pelas manifestações de rua, em 26 de junho a Câmara aprovou a redação final para um projeto de lei que lá estava desde 2007 e ao qual já estavam anexados outros 14 projetos de lei e 33 emendas, encaminhando imediatamente ao Senado (onde recebeu a identificação PLC 41/2013).
Como os famosos recursos do pré-sal têm, já há bastante tempo, resultado em uma falsa expectativa quanto ao possível aumento dos recursos destinados à educação pública (1), o PLC aprovado pela Câmara foi recebido como algo positivo, que implicaria em um aumento ainda maior daqueles recursos. Entretanto, não é bem assim. Na verdade, não é nada assim.
Atualmente, o Brasil investe em educação pública, em números redondos, cerca de 200 bilhões de reais ao ano, o que equivale a cerca de 5% do PIB. Excluídas despesas que nada têm a ver com educação pública, mas que estão indevidamente contabilizadas como tal (repasses a entidades privadas, gastos previdenciários, fomento à ciência e à tecnologia, prestações de serviço à população, entre diversas outras), o resultado do parco investimento é um atendimento de crianças em creches e na educação infantil muito aquém do que precisamos e podemos ter, investimentos por estudante nos ensinos fundamental e médio que mal atingem os R$ 300 por mês e uma educação superior pública totalmente insuficiente (de cada 4 estudantes nesse nível de ensino, 3 estão em instituições privadas).
Os baixos investimentos implicam em professores sobrecarregados e pessimamente remunerados, desinteresse dos estudantes do ensino superior pelos cursos de licenciatura, altíssimas taxas de evasão escolar, baixíssimo desempenho dos estudantes, classes superlotadas, excesso de “aulas vagas” e uma enorme quantidade de eteceteras tão ou mais graves do que esses.
Para superarmos nossos atrasos, diversas estimativas mostram que precisaríamos dobrar os investimentos atuais em educação pública por um período de vários anos. Depois disso, deveríamos mantê-los em patamares aproximadamente iguais àqueles observados em países onde a educação é aceitável, algo da ordem de 8% do PIB. Não fazer isso significa continuar a acumular passivos educacionais cada vez maiores, rebaixar o padrão escolar do país, mesmo em relação aos demais países da América do Sul (entre os quais estamos na “lanterninha”, ou próximos disso, considerando os vários quesitos educacionais), não formar os profissionais de que tanto precisamos, não enfrentar as diferenças regionais e as desigualdades de renda e não construir as bases para um país soberano em suas relações internacionais
E o que os royalties dos hidrocarbonetos, pré-sal incluído, poderão fazer pela nossa educação pública? Vejamos. Artigo recentemente publicado no Correio da Cidadania (2) mostra que tais recursos atingiriam cerca de 0,15% do PIB quando as explorações viessem a estar totalmente maduras e as reservas já perto do esgotamento, valor insignificante quando comparado com as necessidades atuais, de cerca de 5% do PIB a mais para a educação pública. Além disso, esse valor só seria atingido com base em concessões (modalidade que privatiza a exploração do petróleo) e em níveis e prazos de exploração que podem ser estrategicamente desinteressantes para o país (por exemplo, por que gastar o petróleo do subsolo neste momento e não guardá-lo para períodos nos quais ele será mais caro e mais difícil de se conseguir no mercado internacional?).
Mas vamos à lei ora em discussão no Senado. No relatório que acompanha o projeto aprovado pela Câmara aparecem algumas estimativas quanto aos valores a serem destinados à educação. Essas estimativas foram reproduzidas pela imprensa, com várias manchetes e chamadas com frases do tipo “R$ 200 bilhões para educação”, com pequenas variações quanto à quantidade de bilhões, algumas lembrando que esses recursos devem ser divididos com a saúde, mas muitas delas omitindo que essa estimativa é para o total acumulado em uma década, não por ano, e pouquíssimas analisando o real conteúdo do projeto de lei.
As estimativas apresentadas no relatório citado estão exageradamente altas, pois pressupõem mais do que duplicar a produção em dez anos, coisa que jamais conseguimos e que dificilmente conseguiremos, considerando a necessidade dos enormes recursos financeiros que precisam ser investidos. Além dessa hipotética duplicação da produção em 10 anos, as estimativas partem de um volume de produção para 2013 aparentemente superestimado, são otimistas em relação aos valores dos royalties (que, pela legislação, podem variar, sendo definidos caso a caso) e parecem subestimar o custo de extração.
Mesmo assim, os recursos gerados que iriam adicionalmente para a educação corresponderiam a menos do que 0,01% do PIB nos primeiros anos e ficariam abaixo de 1% do PIB ao final de uma década se o PIB crescer apenas 2,5% ao ano; caso o PIB cresça em taxas mais altas, o que muitos gostariam, o percentual do PIB adicionalmente destinado à educação seria ainda menor.
Portanto, mesmo com as estimativas exageradas, não podemos ter nenhuma ilusão de que serão com recursos do tipo royalties do petróleo que nossa educação pública possa ser adequadamente financiada. A justificativa para esta afirmação é simples: a produção total de petróleo do Brasil (como dos demais países com mesmo perfil econômico) é da ordem de 3% a 4% do PIB. Mesmo com novas explorações, esses percentuais não cresceriam muito além desses valores.
Como precisamos adicionar à educação pública cerca de 5% do PIB, qualquer royalty ou outro tipo de taxa ou imposto que venha a incidir sobre a produção de petróleo e tenha algum impacto significativo na educação teria um efeito muito negativo nos demais aspectos da vida das pessoas e do país, pois encareceria o preço dos transportes (individual ou coletivo), a conta de luz (pois parte da energia elétrica é produzida com a queima de combustíveis fósseis), os bens industriais, os produtos exportados (dos quais dependemos para fechar as contas nacionais, fazendo-os perder competitividade), a alimentação (que consome combustível na produção, no transporte, no armazenamento e no cozimento) etc. Sendo bem explícito: se de uma produção da ordem de 3% a 4% do PIB pretendermos conseguir outros 3% a 4% do mesmo PIB, o custo dos produtos simplesmente dobraria.
Portanto, as estimativas anteriores, de que os royalties gerariam, no máximo, valores da ordem de 0,15% do PIB para a educação, e isso em prazo longo, estão mantidas. Não encontraremos soluções para o financiamento da educação pública fora das ações ortodoxas adotadas por todos os países, nos quais aquele setor vai bem: recursos públicos recolhidos na forma de impostos, preferencialmente diretos, incidindo sobre as rendas altas – para não afetar a qualidade de vida das pessoas –, sobre rendas não relacionadas ao trabalho, sobre grandes fortunas, incluindo heranças, e outros equivalentes. Não podemos deixar que fantasias como as do pré-sal continuem a se propagar tanto tempo.
Notas:
(1) Este artigo, publicado em 2008, já alertava para o engodo e o engano de se gerarem recursos para a educação pública com base em royalties do petróleo: http://blogolitica.blogspot.com.br/2010/10/educacao-subproduto-do-pre-sal.html, artigo de 2008.
(2) Os recursos do Pré-Sal para a educação, Correio da Cidadania, 29/maio/2013.
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