Publicado no Correio da Cidadania em 21 de junho de 2013
As recentes manifestações de rua mostram, com clareza, que o sistema de representação política está em frangalhos. Muitas coisas combinadas explicam isso e, certamente, o sistema de financiamento eleitoral privado é uma delas.
Uma campanha eleitoral para deputado estadual ou federal pode custar, pelas informações oficiais disponíveis nos tribunais eleitorais (portanto apenas valores do “caixa um”), alguns ou muitos milhões de reais. A pergunta óbvia é: quem são os financiadores?
Ainda que seja totalmente antidemocrático, o poder político de uma pessoa no Brasil é tão maior quanto maior for sua renda, pois, pela legislação que regula o financiamento eleitoral (Leis 8713, de 1993, e 9504, de 1997), pessoas físicas podem financiar candidaturas com até 10% de seu rendimento anual bruto. Ou seja, quanto mais rico alguém for, maior é o seu poder eleitoral! Isso é tão atrasado quanto o previsto na primeira constituição brasileira, de 1824, que estabelecia direitos de candidatura e de voto de acordo com a renda e quem não tivesse pelo menos 100 mil réis de renda anual não podia votar nem em eleições paroquiais. Parece óbvio que o poder eleitoral em uma democracia não deveria depender da renda de uma pessoa e a contribuição máxima por doador deveria ser um valor fixo balizado na renda média do país, não do doador.
Mas nosso sistema de financiamento eleitoral é ainda pior: pessoas jurídicas, ou seja, empresas, podem financiar campanhas políticas com valores de até 2% do faturamento anual. Ora, empresas não são entes políticos e não podem ter preferências eleitorais. Portanto, jamais poderiam financiar candidaturas ou partidos políticos. Dar a elas um poder eleitoral, como faz a lei, ao permitir que financiem eleições, é tão absurdo quanto permitir que elas pudessem votar ou se eleger.
Outro absurdo diz respeito aos valores dos financiamentos possíveis. O faturamento total das empresas em um país capitalista é da ordem do próprio produto interno bruto, ou seja, mede-se, no caso brasileiro, em trilhões de reais. Mesmo excluindo as que, por lei, não podem contribuir, as empresas podem contribuir, com aqueles 2% do faturamento, com dezenas de bilhões de reais, valor muitas vezes superior aos gastos totais de uma eleição. Como as possibilidades de sucesso em uma eleição dependem dos investimentos feitos nas campanhas, as empresas têm o poder de eleger quantos candidatos precisarem, mesmo que invistam muito menos do que os valores legalmente permitidos.
Há mais perversidade ainda. O financiamento é feito pelas empresas na qualidade de pessoas jurídicas e, portanto, ele é incluído nas planilhas de custo em pé de igualdade com todas as outras despesas, como insumos, fornecedores, salários, impostos, aluguéis etc., sendo, obviamente, transferidas para os preços dos seus produtos e serviços. Portanto, quem paga a conta desse financiamento eleitoral somos nós, os consumidores, os fregueses, os clientes, os pacientes, os passageiros, os inquilinos, os alunos, os correntistas etc. Ou seja, em palavras bem simples: quem paga as altíssimas contas eleitorais somos nós, a população, mas quem escolhe os candidatos a serem financiados e em que quantidades serão estes financiamentos – portanto, quem escolhe os que serão eleitos, com as poucas e nobres exceções que temos –são os controladores, acionistas, altos dirigentes etc. das empresas. Isso não é nada democrático.
Evidentemente, os eleitos dessa forma não irão responder às demandas dos eleitores, mas, sim, às demandas daqueles que têm o poder de decidir quais candidatos e partidos serão financiados nas próximas eleições. Com um sistema de financiamento eleitoral como esse, não é nenhuma surpresa que os donos do país sejam, também, aqueles que mandam nele.
Otaviano Helene, professor do Instituto de Física da USP, foi presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp) e do Inep/MEC.
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