11 de set. de 2003

Retrato Sombrio

Publicado originalmente no Jornal do Brasil em 11/9/2003

Pesquisas e levantamentos de dados têm mostrado a difícil situação da educação brasileira. Comparações internacionais mostram, ainda, que o estudante brasileiro tem fraco desempenho, mesmo quando comparado com o de países com iguais condições.

Uma análise dos resultados do exame Nacional de Ensino Médio (Enem), feito por grande parte dos estudantes que terminam o ensino médio e cuja aplicação de 2003 ocorreu no dia 31 de agosto passado, permite uma série de conclusões relevantes para orientar as políticas para o setor.
O exame deste ano não foi significativamente diferente da versão de 2002, cuja parte objetiva é composta de 63 questões de múltipla escolha. Assim, o que ocorreu no ano passado deve ter se repetido agora. Em 2002, cerca de 1 milhão de estudantes optaram por fazer a prova, inscrevendo-se por suas escolas de origem, permitindo um exame comparativo do desempenho do alunado em função do tipo de instituição e do período que frequentaram. Foram analisados resultados provenientes de aproximadamente 16.500 escolas em que pelo menos cinco estudantes fizeram a prova. Foi feita uma correção na nota final levando em conta os acertos aleatórios.
Embora haja questionamentos de especialistas sobre a real capacidade de avaliação de provas como as do Enem, podemos supor que, pelo menos aproximadamente, os resultados estão associados ao desempenho estudantil, permitindo algumas observações e conclusões.
Além do baixo desempenho, as diferenças encontradas são também muito significativas. Estudantes que freqüentaram escolas com atendimento predominantemente no período diurno apresentam desempenho melhor do que aqueles que o fizeram no período noturno. Assim, políticas públicas no sentido de atender no período diurno aos estudantes que não têm seu dia totalmente ocupado com outras atividades e a criação de bolsas de estudo que permitissem retirar do mercado de trabalho uma parcela daqueles que frequentam o período noturno poderiam ter impacto muito significativo na escolarização da população.
As escolas que apresentam melhores resultados são as federais, todas elas com cursos predominantemente diurnos, onde estão, infelizmente, apenas cerca de 1% dos estudantes que fizeram o exame. O segundo melhor grupo é formado pelas escolas particulares com predominância de alunos no período diurno, frequentadas por cerca de 36% dos estudantes. Em todos os outros grupos o desempenho médio é totalmente inaceitável.
Apenas 4% das escolas analisadas apresentaram resultados médios bons. Entre as instituições federais esse percentual é de 30%, muito superior aos 15% encontrados entre as instituições particulares com predominância de alunos no período diurno. Para as demais categorias e períodos, é desprezível a quantidade de escolas com tal desempenho. Devemos observar que esses percentuais de bons resultados podem ser otimistas, uma vez que os alunos que pretendem continuar seus estudos são praticamente obrigados a fazer o exame, cujo resultado é usado por muitas instituições de ensino superior como critério de ingresso, enquanto aqueles que não pretendem continuar estudando por julgarem ter pouca chance de sucesso não se submetem a ele.
Os resultados apresentados pelas escolas federais mostram que é possível oferecer ensino de qualidade a custos bastante aceitáveis (o custo anual por estudante em instituições federais é bem inferior às anuidades desconsideradas “boas” escolas particulares). Como corolário, podemos dizer que é impossível oferecer ensino aceitável com orçamentos minguados, como é o caso da quase totalidade das instituições estaduais e municipais.
A força de trabalho futura do país, o patrimônio intelectual nacional, a perspectiva econômica e a possibilidade de inserção em um mundo cada vez mais complexo dependem do perfil atual dos estudantes. Assim, é necessário melhorar muito a qualidade das escolas brasileiras, remunerar adequadamente os professores e criar mecanismos eficientes de atendimento aos alunos. Não fazer isso é garantir um futuro sombrio e uma presença internacional subalterna.

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