15 de abr. de 2004

Passando a limpo o financiamento da educação nacional: algumas considerações

Publicado originalmente na Revista Adusp n. 32, abril/2004, em co-autoria com Lisete Regina Gomes Arelaro , Lighia B. Horodynski-Matsushigue e Rubens Barbosa de Camargo
 
As discussões sobre o financiamento da educação no Brasil devem levar em con­ta a nossa situação sócio-econômica e algumas formas específicas da ar­recadação tributária realizada em nosso país. Isso ocorre porque as principais fontes de recursos pa­ra o financiamento da educação nacional são originadas da efeti­va arrecadação de impostos1, os quais, por sua vez, têm seus mon­tantes afetados pelo desempenho da política econômica vigente.
 Por isso, segundo as opções de cada governo, as decisões acerca das políticas econômicas, tributárias e fiscais determinam tanto a ar­recadação quanto a aplicação de recursos financeiros na educação.
Um importante aspecto da política econômica adotada pelo governo FHC foi a contenção de gastos — que ainda permanece no atual governo — para possibilitar o equilíbrio das contas públicas e viabilizar prioritariamente o paga­mento das dívidas externa e inter­na. Essa é, em resumo, a principal imposição feita pelo acordo fir­mado com o FMI ao final de 1999 e renovado pelo governo Lula. Portanto, o que se observa é que sucessivos governos têm despendi­do bilhões de reais a cada ano com pagamento de juros das dívidas ex­terna e interna, em detrimento da realização de políticas sociais.
E o pior, estas dívidas só au­mentam. Em relação à dívida externa, segundo estudo realizado pelo Sindicato Nacional dos Au­ditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco – Sindical), de 1979 a 2002 o Brasil enviou ao exterior, a título de juros e amortizações, US$ 158 bilhões a mais do que recebeu, isto é, tomou empréstimos de US$ 527 bilhões e pagou US$ 685 bilhões. Em dezembro de 1978 a dívida externa (pública e privada) era de US$ 78 bilhões; em dezem­bro de 2002, a dívida externa pas­sou a ser de US$ 229 bilhões.
Em relação ao orçamento fe­deral do primeiro ano do governo Lula, em 2003, o mesmo estudo indica que foram destinados R$ 145 bilhões para pagamento das dívidas interna e externa, enquan­to houve a destinação de somente R$ 81 bilhões para os gastos com Segurança Pública, Assistência Social, Educação, Saúde, Cultura, Habitação, Transporte, Ciência e Tecnologia, Agricultura, Gestão Ambiental, Organização Agrária e Urbanismo. Mais do que em qualquer momento de nos­sa história, como indicam diversos especialistas, são necessárias auditorias sobre essas dívidas, discutindo-se seriamente a possibilidade da moratória.
Vale ressaltar que a carga tributária brasileira, percen­tualmente inferior à praticada em diversos países desenvolvidos, recai de forma injusta sobre a po­pulação trabalhadora e mais pobre. As principais fontes arrecadadoras dos fundos públicos para a educação — sob a forma de impostos — são as relativas à circulação de mercadorias e serviços (ao invés de incidirem com maior poder de arrecadação junto às rendas, às propriedades e aos bens duráveis da parcela de população que os detêm), isto é, nestes casos os impostos estão embutidos especialmente nos preços dos bens de consumo, mas também nos bens de produção, e incidem in­distintamente sobre o consumo de pobres e ricos, muito dife­rentes entre si. Tal realidade estabelece uma desigualdade no peso da carga de impostos que o pobre e o rico recolhem.
A título de exemplo, um produto de R$ 1,00 que tenha uma alíquota de 17% de ICMS (1 litro de leite em São Paulo) tem um impacto de 1,1% para o trabalhador (consumindo 1 litro por dia com sua família) que receba dois salários mí­nimos por mês (R$ 480,00); enquan­to para aquele que ganha mais de 40 salários mínimos mensais (acima de R$ 9.600,00) o impacto (consumin­do também 1 litro de leite por dia) é de apenas 0,05%. Por conta disso e somadas a sonegação de impostos, praticada abertamente por grandes grupos econômicos; a não cobrança do IGF (Imposto sobre as Grandes Fortunas, criado pela Constituição Federal de 1988, nunca arrecadado porque jamais regulamentado) dos detentores de grandes fortunas; as políticas de isenções, anistias e renúncias fiscais, a carga tributária brasileira torna-se um instrumento de ampliação da concentração de renda, ao contrário de ser um ins­trumento de distribuição da renda, como ocorre em diversos países.
Por outro lado, o Brasil é um dos poucos países do mundo a manter uma vinculação de recursos tributários para a Educação, como uma das garantias da existência de recursos financeiros para a sua realização. A vinculação apareceu pela primeira vez na Constituição de 1934, na qual se previa que a União e os Municípios deveriam destinar 10% e os Estados 20% da renda resultante de impostos para a ma­nutenção e o desenvolvimento dos sistemas educativos. Reflexo de um país predominantemente rural, um parágrafo único ainda reserva­va 20% dos recursos vinculados da União para a realização do ensino na zona rural. O golpe que ins­taurou o Estado Novo gerou uma nova Constituição, a de 1937, que não previa nenhum tipo de vin­culação de verbas para o ensino. Essa vinculação só foi retomada na Constituição de 1946, onde se passou a exigir dos Municípios e dos Estados a aplicação de 20%, ficando para a União a obrigação de gastar 10% da renda resultante de impostos com a Manutenção e o Desenvolvimento do Ensino (MDE). Surgia, assim, a expressão que tanta polêmica causaria nas décadas seguintes.
Em 1961, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educa­ção Nacional (LDB), aumentou-se o percentual sob responsabilidade da União para 12%, mas a Consti­tuição de 1967, a primeira engen­drada pelo golpe militar de 1964, suprimiu a vinculação e esse aspec­to da LDB tornou-se letra morta. A chamada Constituição da Junta Militar, de 1969 (na verdade uma Emenda Constitucional, tão ampla que reescrevia a Constituição), res­suscitou a vinculação, sobre uma base maior: a tributária (envolven­do portanto as Taxas, Contribuições e Impostos), só que apenas para os Municípios — 20% do montante, que deveriam ser destinados para o antigo ensino primário.
O tema da vinculação de re­cursos para a MDE voltou a ser discutido quando o senador João Calmon apresentou, em 1976, uma Proposta de Emenda Constitucio­nal (PEC) prevendo que a União deveria destinar no mínimo 12% e os Estados e Municípios 25% da receita líquida resultante de impos­tos para esse fim. Como não obte­ve o número mínimo de votos para ser aprovada naquele momento, o mesmo senador reapresentou a proposta em 1983, desta vez com sucesso. Os percentuais passaram a ser de 13% para a União e 25% para Estados e Municípios. A partir de então, o preceito da vin­culação constitucional foi mantido. Na Constituição de 1988 o percentual atribu­ído à União foi elevado para “nunca menos de 18% e os Estados, o Distrito Federal e Municípios devem aplicar 25%, no mínimo, da receita resultan­te de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino” (Art. 212).
Posteriormente, diversos Muni­cípios e Estados fixaram patamares mínimos de vinculação de 30% nas respectivas leis orgânicas munici­pais (LOM) e constituições estadu­ais (CE). Infelizmente, nos últimos anos vários deles reverteram tal quadro, reduzindo para 25% os ín­dices mínimos destinados à MDE. É o caso dos Municípios de São Paulo, do Rio de Janeiro, de PortoAlegre, assim como o Estado do Rio de Janeiro, entre outros entes federativos. A exceção encontra-se no Estado do Acre, que aumentou o percentual mínimo para a MDE de 25% para 30%.
Além dos recursos vinculados constitucionalmente, que são as principais fontes de financiamento da educação pública, destinam-se a ela, ainda, os recursos provenientes da Contribuição Social do Salário-Educação, criada em 1964, e que a partir da Emenda Constitucional nº 14 de 1996 (EC 14/96) passou a ser calculada sobre 2,5% da folha de pa­gamento das empresas como receita adicional destinada exclusivamente para o Ensino Fundamental obriga­tório. Há ainda outras poucas fontes de recursos para a Educação, tais co­mo empréstimos, convênios, receita de prêmios lotéricos, doações, entre outros, mas que representam muito pouco em termos de montantes e percentuais para o financiamento do setor educacional público.
A recente reforma tributária, ainda em discussão no Congresso Nacional e sem uma definição completa — uma vez que diversos dispositivos serão definidos pelo Senado Federal e por legislação infraconstitucional — foi inicial­mente estabelecida pela Emenda Constitucional nº 42 de 18/12/2003. A sua real efetivação poderá ter impactos positivos ou negativos para o financiamento da educação nacional, dependendo das defini­ções a serem tomadas para a regu­lamentação de seus dispositivos.
Entende-se como impacto positi­vo quando a arrecadação dos impos­tos for ampliada (seja pelo aumento de alíquotas ou da base de incidên­cia) e por conseqüência os recursos financeiros para a educação. Impac­to negativo é entendido quando o processo contrário se realizar.
Dos diferentes dispositivos cria­dos pela EC 42/03, destacam-se:
• A possibilidade de implemen­tar o “SuperSimples” — forma de arrecadação de micro, pequenas e médias empresas que facilitaria muito a arrecadação destas e com­bateria a sonegação;
• A diminuição do grande nú­mero de alíquotas do ICMS (mais de 40 atualmente) dos diversos Estados para o número de cinco alíquotas, procurando diminuir a guerra fiscal entre os estados;
• A implantação da cobrança do ICMS no destino, e não na origem, como é hoje, que pode modificar profundamente as contas dos “esta­dos produtores” e “consumidores”;
• A implantação da distribuição de 25% da CIDE (Contribuição de Intervenção de Domínio Econô­mico) para Estados e Municípios, ampliando recursos públicos para políticas locais e estaduais;
• A constitucionalização do ressarcimento aos Estados e Muni­cípios produtores do ICMS para a exportação;
• A extensão da Desvinculação dos Recursos da União (DRU) até 2007 (20% dos recursos vinculados da União podem ser reorientados de acordo com a política econômica do governo — entretanto, há a possibi­lidade de não haver incidência sobre os recursos da educação e da saúde);
• A manutenção da CPMF até 2007, com a alíquota decrescente, partindo de 0,38%.
No processo de discussão da reforma, vários problemas vieram à tona, por exemplo: uma propos­ta dos governadores de criação da Desvinculação dos Recursos dos Estados (DRE), nos moldes da DRU, a qual foi imediatamente rechaçada pelos setores sociais e por parlamentares progressistas, pois representaria forte impacto financeiro negativo, especialmente no setor educacional; tentativas de diminuição de diversas alíquotas de impostos e contribuições; im­pedimento das propostas de pro­gressividade do Imposto de Renda (com alíquotas maiores de 27,5%) que atinjam os mais bem aquinho­ados; e impedimento de propostas de regulamentação do Imposto sobre as Grandes Fortunas (IGF), entre outros.
Por tudo isso, esta reforma tri­butária ainda não tem fisionomia mais clara e precisa. É funda­mental ao movimento social estar atento às definições que virão e tomando as providências para que os impactos negativos não se reali­zem, tal como na Lei de Responsa­bilidade Fiscal (LRF).
Um aspecto pouco discutido pelos educadores é o impacto da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 4/05/2000 - LRF) nas políticas de financiamento da educação, em particular, e sobre as políticas so­ciais, em geral.
A LRF, aprovada não por acaso em 2000, sucede a uma série de legislações polêmicas, das quais destacaremos algumas da área educacional ou que a atingem: 1) a Emenda Constitucional nº 14/96,


que cria o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef) e altera as funções de atuação do Ministério de Educação (MEC), junto às esferas públicas estadual e mu­nicipal; 2) a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96), que, na verdade, cria um sistema de avaliação nacional, em substituição (ou considerando-o “equivalente”) à proposta de um sistema nacional de educação; 3) a Lei que regulamenta o Fundef (Lei nº 9424/96), e ao fazê-lo, veta a possibilidade de os recursos deste Fundo serem utilizados pela educação de jovens e adultos; 4) a Emenda Constitucional nº 19/98, que reestrutura o apare­lho de Estado, através da modificação do regime e dos princípios e nor­mas da Administração Pública, através da qual professores e médicos do Brasil ficaram sabendo que não eram mais considerados funcionários públicos “indis­pensáveis”, cabendo tal desig­nação somente aos policiais e aos auditores, até porque os “serviços” dos primeiros podem ser executa­dos por terceiros.
É dentre esta “preparação de terreno” que as discussões atual­mente travadas na Organização Mundial do Comércio (OMC) preocupam professores e especia­listas, pela possibilidade de a área de educação ser considerada “mer­cadoria”, e, como tal, entrar para a lógica da competitividade financei­ra mundial.
Mas o que a LRF tem a ver com estas ponderações? A LRF determina, dentre outros aspectos, o limite máximo de 60% dos or­çamentos públicos para despesas com a folha de pessoal. Nas cida­des com 200 mil ou mais habitan­tes, este gasto com o Executivo, de fato, não poderá exceder os 54%, pois os 6% restantes deve­rão ser destinados aos respectivo Legislativo. Dispõe, também, que a única despesa que não precisará de limitações orçamentárias é a re­ferente ao pagamento de dívidas.
Estes dispositivos legais, numa visão superficial, poderiam ser considerados de “bom senso” eco­nômico. Aliás, propaganda compe­tente na mídia acabou divulgando que estas seriam providências mí­nimas e urgentes que o povo bra­sileiro esperava da Administração Pública, por já ter se tornado lugar comum a corrupção permanente do e no serviço público sem con­seqüências significativas. A LRF viria, pois, em boa hora.
Observem-se, porém, as suas conseqüências e a real razão para ela ter sido editada naquele mo­mento histórico, logo após um bem sucedido processo de liqüidação (leia-se: privatização) das nossas grandes empresas estatais.
A área social constitui-se no setor mais carente de novos investimentos financeiros. A democratização dos serviços sociais, entendida como universalização dos direitos sociais (saúde, educação, transporte, alimentação, moradia, lazer, previdên­cia social), só poderá ser efetivada se, de fato, um novo e substantivo aporte de recursos ocorrer, de­vendo, certamente, parte significativa dos mesmos vir pelo governo federal.
É importante que se reflita que a Constituição Federal de 1988, chamada cidadã, promoveu uma descen­tralização de recursos do âmbito central para os entes federados. No entanto, não fez parte dela um real projeto de redistribuição de renda no país. Obteve-se, portan­to, descentralização de recursos para os Municípios e Estados, que passaram a contar com recursos a maior entre 25% e 27,5%.
Porém, este projeto de descen­tralização, cuja ênfase maior foi na descentralização de responsabilida­des por parte do governo federal, não teve como pressuposto uma


rediscussão e reorganização dos critérios de distribuição tributária, mas tão somente a municipaliza­ção de grande parte dos serviços sociais — educação, saúde, trans­porte, moradia, assistência social, alimentação; embora fosse razoável considerar que esta transferência de responsabilidades implicaria trans­ferência concomitante de recursos financeiros, ou, pelo menos, criação de novas fontes de subsídios gover­namentais, isso não ocorreu. As re­giões pobres continuaram pobres.
Tome-se como exemplo o ensino fundamental, no qual a proposta do Fundef, a partir do estabelecimento de percentual de pagamento por aluno atendido, motivou um processo intensivo de municipalização do ensino funda­mental, mesmo em regiões onde este fenômeno não era significati­vo, em especial, as regiões sudeste e sul. As carências históricas de atendimento escolar, somadas ao incentivo financeiro à municipa­lização, levaram as prefeituras a acelerarem este processo chamado de “descentralização”. Este de fato aconteceu, de ponta a ponta no pa­ís; foi uma “prefeiturização” do en­sino, atingindo em alguns estados do nordeste (Alagoas, Maranhão, Ceará, Bahia) o percentual de 80% de municipalização do ensino fundamental, considerados os seus oito anos de duração.
Consumado o fato — estava-se em 1998/99 — os Municípios perce­beram que havia um descompasso entre o discurso e a prática, pois o custo aluno/ano, estabelecido também anualmente por ato do Presidente da República, e, para 1997, definido em R$ 300,00, não sofreria reajustes sequer proporcio­nais à inflação do período. Assim, tanto em 1998, como para o ano de 1999, o valor estabelecido foi o de R$ 315,00/ano por aluno atendido.
Apesar desta compressão dos repasses para a área educacional, e, contraditoriamente, na busca destes repasses, ainda que insatisfatórios, acelerou-se o processo de municipa­lização, obrigando-se, em especialos municípios, à contratação de no­vos professores, novas construções e/ou ampliações escolares, aumento do número de refeições escolares e material escolar. Imaginavam estes agentes públicos que com a pre­tendida universalização do ensino receberiam algum tipo de reconhe­cimento ou incentivo financeiro por parte do Governo Federal.
A constatação foi a esperada: os municípios que se responsabi­lizavam por atendimentos diretos em educação, considerados todos os níveis e modalidades de ensino, já gastavam, antes mesmo deste processo de municipalização, os 60% ou mais dos recursos orçamentários em folha de pessoal. Principalmente se cumprissem os Estatutos de Magistério ou Planos de Carreira que previs­sem a valorização destes profissionais.
Que fazer? Se dei­xassem de atender à po­pulação ou reduzissem os atendimentos, teriam o povo à porta cobrando a Prefeitura diretamente e isso seria insupor­tável naquele momento histórico. A “propaganda” de que a socie­dade moderna é uma sociedade do conhecimento e de que, portanto, as possibilidades de trabalho, em­prego e maiores salários se encon­tram vinculadas a “mais” educação (enquanto simplesmente maior número de anos de escolaridade), impedem, evidentemente, qual­quer tentativa “oficial” de refrear os atendimentos escolares.
Por outro lado, se atendessem ou ampliassem o atendimento de forma ousada, sofreriam sanções legais e financeiras pesadas, como suspensão dos repasses federais ou mesmo a retenção de parte de seus salários para estes “desvios”. Exemplificando: a não elabora­ção do Anexo de Metas Fiscais — que é um documento da Lei de Diretrizes Orçamentárias, ou o não enquadramento das despe­sas de pessoal nos limites da LRF, têm como punição multa de 30% dos vencimentos dos responsáveis. Ou, ainda, a não compensação de despesas obrigatórias continuadas, ou a inscrição irregular de despe­sas em “Restos a Pagar” têm como pena a reclusão, de um a quatro anos, no primeiro caso, e de um a dois anos, no segundo.
Ou seja, o não cumprimento ipsis literis da LRF era e é amea­çador aos dirigentes municipais e estaduais. Não se menciona aqui o governo federal, pois parece que, para os dirigentes federais, a tole­rância frente ao não cumprimento da LRF tem sido maior.
Como a máquina pública não pode parar, é interessante veri­ficarmos as alternativas que os dirigentes públicos adotaram para poder continuar cumprindo suas obrigações e executar seus planos de governo, apesar da continuidade do modelo de política econômica, que represa mais de R$ 100 bilhões anuais no pagamento de juros e serviços da dívida, o que reduz substancialmente as transfe­rências federais para estados e municípios.
A primeira alternativa encontrada, já de amplo uso pelas administrações públicas das três esfe­ras, foi a terceirização imediata de serviços de limpeza, de segurança, de transporte e, muitas vezes, os de apoio admi­nistrativo. Esta terceirização é feita através da contratação de serviços de empresas espe­cializadas e ou de “cooperativas”, que nada mais são do que artifícios legais dos quais empresas especia­lizadas vêm se utilizando para não se responsabilizar pelos direitos trabalhistas de seus empregados, considerados onerosos.
É verdade que a LRF veda qualquer admissão de pessoal, pa­ra além dos 60% estabelecidos, se­ja pela contratação direta, seja pela contratação via empresa. Mesmo assim, os próprios Tribunais de Contas são mais tolerantes comestas contratações “precárias”, porque temporárias, do que com a eventual realização de concursos públicos, que comprometem os 60% legais destas despesas.
Outro efeito pernicioso é que, para não ultrapassar o percentual de despesa com pessoal a médio prazo, a administração pública dei­xou de realizar concursos públicos de títulos e provas na admissão de seu pessoal. E têm argumentado, de forma explícita, que o ônus finan­ceiro posterior com o pagamento de aposentadorias tem inibido este processo de admissão. Não por acaso, o próprio MEC divulgou, tão logo o novo governo assu­miu, que parte significativa de seu pessoal especializado e de seu pessoal de apoio era admitida através de contratos (ainda que por tempo certo) realizados através de agências da Unesco ou do PNUD. Ou seja, o MEC repassa recur­sos orçamentários da pasta para estas agências realizarem — com cobrança de taxas, evi­dentemente — a seleção e o contra­to destes assessores, portanto, não onerando o limite de despesa com pessoal que ele mesmo propôs.
Um terceiro aspecto refere-se à remuneração dos profissionais de educação e outros profissionais das áreas sociais. A LRF agravou o pro­cesso de congelamento salarial e de dispensa dos servidores não estáveis, que já vinha acontecendo. Admite-se hoje que nos últimos oito anos o Brasil não tenha sequer atualizado a remuneração de seus servidores, e quando aumentos de vencimentos existiram, estes se deram em forma de abono ou gratificação, não incor­poráveis aos salários para nenhum fim. Em geral, estes abonos foram destinados exclusivamente para o pessoal na ativa, ignorando-se os direitos dos aposentados. Em São Paulo, por exemplo, esta política sig­nifica seis anos sem qualquer tipo de atualização salarial.
No entanto, outras e até mais graves opções acabam sendo feitas, dentre as quais destaca-se a inter­pretação restritiva do direito social à educação, deixando o Estado de atender os setores ou modalidades mais excluídas, ou ainda com altos contingentes não atendidos, como a educação infantil de zero a três anos de idade e a educação de jovens e adultos, “comunitarizando-as”. Ou seja, transferindo para grupos pri­vados, ou filantrópicos, ou comuni­tários, ou para a própria população, a responsabilidade e a iniciativa de “resolver” estes atendimentos.
Não se está discutindo iniciati­vas interessantes e autônomas do movimento popular organizado, na área de educação, mas as parcas alternativas que são oferecidas à população mais pobre. O Estado, admitindo que não terá fôlego financeiro e técnico de arcar com estas responsabilidades — pelas limitações aqui expostas — “ter­ceiriza” para a própria população estas ações, chamando as “comuni­dades” para colaborar na resolução do problema. Em geral, utiliza-se para estes fins, porque o custo fi­nanceiro final é menor, de or­ganizações não governamen­tais pouco estruturadas, de baixa competência técnica e que, por sua vez, se utili­zam de “voluntários” para o exercício dessas funções educacionais. Baixa quali­ficação, baixa remuneração dos profissionais e precárias condições dos prédios são as características destes atendi­mentos, alimentando o círculo já viciado de: aos pobres, a pobreza.
O financiamento da educação nestas condições gera a descaracte­rização da educação, como direito de todos e dever do Estado, pois o próprio conceito de manutenção e desenvolvimento do ensino público fica desfigurado, pela fragmentação de projetos de caráter compensató­rio, que podem ser até interessan­tes, mas que pulverizam os poucos e insuficientes recursos públicos estatais na implementação de ini­ciativas pontuais de compensação da pobreza.
Esta situação esdrúxula tem levado a decisões governamentais extravagantes como a adotada re-conceituação de “manutenção e desenvolvimento do ensino”, pre­vista no artigo 211 da Constituição Federal, pois pela pobreza dos municípios e do país os projetos de caráter nitidamente de assistência social, tais como fornecimento de uniformes, alimentação, material escolar etc., sem dúvida meritórios, são indevidamente considerados como de “manutenção do ensino”.
As próprias administrações públicas, apesar do aparente rí­gido controle dos Tribunais de Contas, acabam introduzindo de forma “disfarçada” ativi­dades de esporte e cultura, uma vez que a vinculação de recursos é exclusiva pa­ra a educação e, mais re­centemente, para a saúde.
Neste sentido, os Tribunais de Contas ado­tam também uma interpre­tação mais flexível sobre o que constitui “gastos de ma­nutenção e desenvolvimento do ensino”, quando se trata de con­siderar, por exemplo, bibliotecas públicas como gastos da educação, sob o codinome de “bibliotecas es­colares” ou centros educacionais. O mesmo acontece com as ativida­des esportivas que, por não terem orçamento disponível, acabam sendo consideradas “atividades esportivo-educacionais”. Assim, descaracterizam-se as atividades educacionais stricto sensu.
Em relação às despesas com pessoal, quando o Município ou o Estado não tenha atingido os 60% que a educação, conforme exigên­cia do Fundef, vincula, funcioná­rios de outras áreas são nelas in­corporados, acoplando-se simples­mente o adjetivo “educacional” ou “escolar” à nomenclatura original do cargo — médico escolar, dentis­ta escolar, psicólogo educacional, guarda escolar, etc. — comporta­mentos que, na prática, significam redução dos investimentos na área da educação.
Se isto resumisse, simplesmen­te, uma discussão semântica, pode­ríamos considerá-la supérflua, ou inócua, mas ela traduz, de forma dramática, a limitação – sem hori­zontes de expansão a curto prazo — dos recursos públicos para a educação.
E se, por um lado, os educado­res, dirigentes e a população pre­cisam buscar e construir formas de expansão dos sistemas públicos das áreas sociais com qualidade, por outro lado, temos que ousar criar as condições para experimentar outras formas de governo que su­perem a contradição capitalista da desigualdade de classes. É preciso admitir que apenas uma sociedade radicalmente democrática poderá gerar tais condições históricas.
Qualquer texto sobre finan­ciamento da educação no Brasil precisa, de saída, desconstruir o mito, alimentado especialmente na última década, de que “as ver­bas para a educação são suficien­tes, apenas são mal empregadas”. Entretanto, ao contrário do que é afirmado através desse “pré-conceito”, um dos nós górdios da educação, em todos os níveis, é a insu­ficiência de recursos. De fato, estudos mostram que as verbas destinadas ao setor precisariam, no mínimo, ser dobradas, para que a médio prazo o país consiga sair da condi­ção educacional em que se encontra.
Já em 1997, o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, que organiza parcelas importantes da sociedade civil através de suas en­tidades envolvidas com educação, denunciou por meio do Plano Na­cional de Educação – Proposta da Sociedade Brasileira, construído coletivamente em vários Congres­sos Nacionais de Educação (Co­neds), que não serão atingidas as metas inclusivas lá propostas sem que o financiamento da educação atinja progressivamente 10% do PIB, até que as piores deficiênciassejam removidas (podendo, após, recuar a um nível mais baixo, de 7% do PIB).
Esta constatação não é exclusi­va de entidades da sociedade civil: em seminário recente (outubro de 2003) sobre financiamento, patro­cinado pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Professor Anísio Teixeira (Inep-MEC), os es­tudiosos lá reunidos também che­garam à conclusão de que é neces­sário dobrar as verbas destinadas à Educação, situando o patamar em 8% do PIB, apresentando diversas sugestões e medidas para se atingir tal percentual.
Tal convicção deriva de cálcu­los simples, que consideram que o financiamento da educação deve corresponder à somatória dos custos/aluno para um ensino de qualidade, compatíveis com a capacidade de dado país, em da­do momento histórico. O critério adequado para essas considerações é tomar o custo/aluno/qualidade como fração do respectivo PIB per capita, conforme detalhado em ou­tro artigo desta revista (ver p. 53 ).
Assim, se não há como negar a possibilidade de um contínuo aperfeiçoamento no gerencia­mento das verbas públicas, os problemas educacionais não se­rão atingidos na raiz sem a com­preensão de que um aporte maior de recursos é essencial para que sejam formados, contratados e, especialmente, mantidos em condições de trabalho dignas, os profissionais em educação pre­parados para a hercúlea tarefa de reverter a calamitosa situação educacional.
Entretanto, se havia esperança de que o governo Lula, empossa­do sob o signo “das mudanças”, ao menos encaminhasse os diag­nósticos e suas primeiras ações com transparência na direção correta, o primeiro ano de gestão deixou como herança um profun­do ceticismo.
Entre vários outros documentos e ações oficiais, o Relatório “Gasto Social do Governo Central: 2001 e 2002” colocado a público pelo Ministério da Fazenda em novem­bro de 2003, é uma peça a mais no velho jogo da mitificação e propa­ganda. Escondendo o fato, óbvio para quem tem prática na leitura de gráficos e tabelas, de que é na estrutura de tributos que deve ser procurada parte das diferenças re­levantes entre o Brasil e países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o documento tenta de­monstrar que a distribuição dos chamados gastos sociais efetuados pelo governo central seria a ori­gem principal das desigualdades, caracterizadas, entre outras, pela continuada concentração de renda e pela apropriação de 33% do PIB por apenas 2,4 % da população.
Entretanto, os próprios gráfi­cos do documento mostram que o Imposto de Renda pessoal con­tribui com apenas 6% da carga tributária no país, enquanto na média da OCDE este percentual é de 27%. De fato, não se tem conhe­cimento de país social­mente justo que con­viva com uma alíquota máxima de 27,5% no Imposto de Renda, com uma estrutura legal que facilita a sonegação aos de maiores posses, além de leis ineficientes para a tributação de bens e propriedades. O que foi chamado de gasto social no do­cumento, e que mal atingiu 15% do PIB em 2002, refere-se, em mais de dois terços, a algo que é basicamente o ressarcimento por contribuições prévias, ou seja, à Previdência Social. Apenas 5,3% do total do “gasto social” foram para a educação e cultura em 2002, sendo que esta proporção tem decrescido ao longo da últi­ma década.
Por outro lado, o total de re­núncias fiscais e subsídios, que permeiam todas as áreas, tem alcançado cifras de R$ 27 bilhões (2001) e R$ 17 bilhões (2002), correspondendo ao dobro, ou mais que o dobro, de todo dispên­dio com educação efetuado pela União, o qual se encontra estacio­nado nos últimos anos perto de R$ 11 bilhões (a valores de 2002). Se os dados enfocados no documento do Ministério da Fazenda são da gestão anterior, não se tem notícia de que em 2003 tenha ocorrido in­versão destas tendências.
Realmente, o documento do Ministério da Fazenda assusta por sua parcialidade na interpre­tação dos dados. Escamoteando a informação de que, por preceitos legais, Estados e Municípios são os responsáveis quase exclusivos pela Educação Básica, alardeia que 70% dos “gastos diretos” fo­ram destinados ao Ensino Superior (reduzidos a pouco mais de 50%, se considerados os gastos totais, já que renúncias e subsídios, junto com o FIES, constituem 20% de todo gasto direto). Assim é escon­dido o fato de que o financiamento do item “Graduação”, cujo mon­tante não chegou a R$ 1 bilhão, em 2002, tem na verdade decres­cido ao longo dos últimos anos, re­sultando nos “apagões” vividos por várias universidades federais.
A comparação internacional apresentada no documento é de uma parcialidade impres­sionante. Dados da Unesco, reproduzidos na tabela da p.39, mostram que o investimento público em educação é mais alto do que o do Brasil, em relação ao PIB, em mui­tos dos países que têm um sistema educacional consolidado e mesmo naqueles que contam com um importante adicional de verbas privadas.
O documento do Minis-tério da Fazenda escolhe, para tecer suas comparações, Uruguai, Chile, China e Índia. Por que não as nações pobres como Bolívia, Cuba, Paraguai ou alguma das na­ções africanas?
É estranho que um documen­to do governo Lula, ao avaliar os gastos sociais da União no governo FHC, tenda a induzir po­líticas de privatização do ensino, em particular, do ensino supe­rior, como é o caso do programa “Universidade para Todos” recémdivulgado pelo atual Ministro da Educação.
Há alguns fatos referentes ao ensino superior, direta ou indi­retamente relacionados ao seu financiamento, que não têm sido adequadamente analisados.
Um primeiro fato diz respeito ao custo do ensino de graduação em instituições públicas e privadas. Supõe-se, usualmente, que o custo de um estudante de graduação em uma instituição privada é inferior ao custo em uma instituição pú­blica. Uma das fontes de erro que levam a tal conclusão é a esti­mativa do custo feita a partir da divisão do orçamento total de uma universidade pública pelo número de estudantes de graduação, sem considerar que parte do orçamento corres­ponde ao ensino de pós-graduação, à pesquisa científica e tecnológica, à produção cultural e ar­tística, ao atendimento à população, serviços de saú­de, pagamentos de aposen­tadorias, entre diversas outras despesas. Levar em consideração essas despesas é essencial, pois o setor privado não as tem e uma expansão do ensino de graduação em uma instituição pública não virá acompanhada, necessariamen­te, de todas as despesas adicionais mencionadas.
Em trabalhos publicados no Jor­nal da USP (nº 609, agosto/2002) e na Folha de S. Paulo (13/8/2003, p. 3), o custo do ensino de graduação na Universidade de São Paulo e o custo médio em instituições priva­das foram comparados para dife­rentes cursos nas diversas áreas de conhecimento. Como regra geral, os custos são muito próximos, em alguns casos mais baixos na USP e em outros mais baixos no setor privado. Note-se que os cursos de graduação da USP estão entre os melhores do país, enquanto nas instituições privadas os cursos são, em sua maioria, fracos. Como a comparação acima fosse feita ain­da levando em consideração cursos de igual qualidade, o custo USP seria significativamente inferior ao custo das privadas.
Um segundo fato mal analisa­do é a renda dos estudantes do setor público e do setor privado. Levantamentos do IBGE e do Inep têm mostrado que a renda dos estudantes de graduação do setor privado é cerca de 30% su­perior à renda dos estudantes do setor público. Não se deve preci­pitar e supor, então, que os ricos prefiram as instituições privadas e os pobres as públicas.
Pelo menos três fatores podem estar presentes na seleção econô­mica dos estudantes. Um desses é que as instituições privadas estão concentradas nas regiões do país onde encontram clientela e, por­tanto, nas regiões mais ricas, o que contribui para elevar a renda mé­dia de seus alunos quando compa­rada à renda média dos estudan­tes das instituições públicas. Outro fator que influencia a renda média dos estudan­tes dos setores público e privado diz respeito às preferências estudantis. Estudantes originários das elites econômicas do país procuram, preferen­cialmente, cursos de alta qualidade, fortemente correlacionados com maio­res remunerações futuras, sendo que esses cursos estão concentrados nas boas institui­ções públicas e são bloqueados por vestibulares altamente com­petitivos. Nesses vestibulares os estudantes dos segmentos mais fa­vorecidos têm maiores chances de sucesso do que seus colegas mais pobres. Esse fator tende a elevar a renda dos estudantes das institui­ções públicas em relação aos das instituições privadas.
Finalmente, um terceiro fator diz respeito às possibilidades de um estudante que não conseguiu sucesso em um vestibular em umainstituição pública continuar seus estudos: certamente um estudante mais bem aquinhoado não terá di­ficuldades em continuar seus estu­dos em uma instituição paga, não acontecendo o mesmo com um estudante com limitações finan­ceiras. Este fator tende a elevar a renda relativa dos estudantes do setor privado.
Os três fatores acima devem ser considerados na análise da renda dos estudantes de graduação no país e na elaboração de políticas para o setor.
Um aspecto importante quando se analisa o papel das diferentes instituições de ensino superior diz respeito às regiões em que elas podem se instalar e às áreas de conhecimento dos cursos que oferecem. Instituições privadas, fi­lantrópicas ou não, necessariamen­te consideram suas planilhas de custo. Assim, os cursos oferecidos dependem da existência de clien­tela. Conseqüentemente, essas instituições se instalam nas regiões mais ricas do país, e não onde as necessidades de ensino superior são maiores. A clientela buscada pelas instituições privadas é bas­tante susceptível aos efeitos de um pretenso “mercado de trabalho” e a avaliações das perspectivas de ganho futuro.
Em ambos os casos, as possibi­lidades de análise dos estudantes, um ou uma jovem recém saído/a da adolescência, é muito limitada, mesmo que possa contar com a ajuda de familiares. Assim, a pro­paganda das instituições privadas tem forte impacto nas decisões estudantis. Aqui, novamente, entra um efeito comercial: como qual­quer instituição que dependa de sua planilha financeira para sobre­viver, instituições privadas optam por cursos vendáveis, muitas vezes desprovidos de qualquer conteúdo que possa ser significativo para o país ou mesmo para o ganho futu­ro daqueles que os freqüentam.
Recentemente, a idéia da exis­tência de “vagas ociosas” tem sido usada em diversos debates e mes­mo em propostas governamentais. Ao ouvir essa expressão alguém desavisado pode supor que há nas instituições, públicas ou privadas, ociosidade real. Não é isso que ocorre. O que tem sido chamado erradamente de vagas ociosas é a existência de vagas não preenchi­das no vestibular. Essa situação é típica do setor privado, que conse­gue autorização para oferecimento de cursos, em momentos de maior tolerância governamental, mas pa­ra os quais não há demanda atual, servindo essas vagas “ociosas” co­mo reserva estratégica para uso ou negócio futuro.
Esses e outros fatos devem ser considerados quando da discussão do problema do ensino em nosso país. As discussões sobre o finan­ciamento do ensino em geral, e não só o superior, precisam ser fei­tas de forma mais cuidadosa. Não podemos continuar errando. Os erros cometidos no passado estão, hoje, custando muito caro ao país. Muito da nossa crise econômica, da desagregação da sociedade e conseqüente marginalização de enormes contingentes popula­cionais, do baixo padrão escolar da população e do seu reflexo na produção cultural do país, ou do padrão de saúde física e mental da população, foi paulatinamente forjado no passado por um siste­ma escolar ruim e desigual. Erros cometidos hoje terão, no futuro, as mesmas conseqüências.
Por outro lado, proporcionar à população a educação de quali­dade (em todos os níveis) que ela merece resulta, comprovadamente, em importantes dividendos sociais. Finlândia e Irlanda (é verdade, dois países pequenos, o que poten­cialmente facilitou o processo) po­dem ser tomados como exemplos recentes do sucesso de políticas educacionais bem equacionadas, as quais em poucas dezenas de anos ajudaram a construir a inserção soberana desses países no cenário internacional.
É com essa percepção que o Fó­rum Nacional em Defesa da Escola Pública assumiu o compromisso e o desafio de construir propostas e ações que modifiquem substancial­mente as atuais condições da edu­cação nacional, conclamando todos os educadores a refletirem mais sobre o financiamento da educação. Em especial, pretende que o amplo espaço coletivo de aprofundamento de reflexões e de construção de es­tratégias de luta, a ser constituído pelo 5º Coned (Recife, maio de 2004), seja estendido e comparti­lhado por segmentos cada vez mais representativos da sociedade.
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Gasto público com Educação (em % do PIB) em países selecionados – 2000/2001
Países
Gasto público/PIB
Argentina
4,6
Finlândia(1)
6,1
Bolívia
5,5
França
5,8
Brasil
3,8
Índia(1)
4,1
Canadá
5,4
México (1)
4,4
Chile
4,2
Noruega
7,4
China(2)
2,2
Paraguai
5,0 (**)
Colômbia
5,1(*)
Peru (1)
3,5
Cuba
8,5
Portugal
5,8
Dinamarca
8,0
Suécia(1)
7,8
EUA
4,8
Uruguai
2,8
Zimbabwe
10,4
Fontes: Unesco. UIS - Unesco Institute for Statistics, 2002
Notas: (1) dados referentes a 1999/2000
(2) dados referentes a 1998/1999
(*) estimativa UIS
(**) estimativa nacional
Notas
1 Segundo a Constituição Federal de 1988, o sistema tributário nacional é composto por três tipos de tributos: Impostos, Taxas e Contribuições. O caráter, a incidência, a limitação e a repartição destes tributos estão estabelecidos nos Artigos 145 a 162 da CF/88 e em extensa legislação infracons­titucional.

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