9 de fev. de 1999

Corrente de desinformação

Artigo originalmenmte publicado na Folha. de S. Paulo em 8/2/1999, em co-autoria com Newton Lima Neto

Em sua coluna de 31/1 (Opinião, pág. 1-2), o empresário Antonio Ermírio de Moraes propõe que as universidades públicas passem a ser pagas. Servem-lhe de subsídio dados pelo governo, que , à luz da realidade, desmancham-se como um castelo de cartas. Tem-se forjado uma noção de que a educação elementar do Brasil é vergonhosa porque os recursos que deveriam ser dirigidos a ela seriam “despejados” nas universidades públicas. E, sempre, as estatísticas que dão algum vigor a essa opinião vêm da mesma fonte: o MEC.


O nível escolar da população tem aumentado, de acordo com o que escreveu o sr. Ermírio de Moraes. Mas de forma lenta. E, no ensino superior, a estagnação é observada há 20 anos. Enquanto o Brasil tem um estudante no nível superior para cada cem habitantes, nossos vizinhos sul-americanos têm o dobro; os europeus, o triplo; EUA e Canadá, cerca de seis vezes mais. Mesmo nos níveis em que a educação brasileira aponta crescimento, a lacuna que nos separa dos países mais desenvolvidos aumentou.

A afirmação do sr. Ermírio de Moraes de que até 2005 a escolarização de nossa força de trabalho cresceria dos atuais quatro anos para oito é absolutamente infundada. Para que isso fosse possível, todos os que deixassem de pertencer à força de trabalho nos próximos seis anos (por aposentadoria, morte etc) deveriam ter grau nulo de escolaridade e todos os novos ingressantes, cerca de 25 anos de escolarização. Impossível.

Outra saída seria um programa de educação de adultos no Brasil que atendesse à metade dos trabalhadores ao longo desses seis anos. Esse programa não existe. Portanto, a verdade (mais dura, infelizmente), é que, a cada seis anos, a escolarização da População Economicamente Ativa brasileira cresce apenas 0,7 ano de estudo.

O Brasil não gasta 5% de seu PIB em educação pública, como supõe o autor, também citando o MEC. Seria verdade se a lei fosse cumprida à risca nos municípios e Estados e na União e se as verbas atribuídas a órgãos do governo fossem mesmo gastas em educação.

Dentro do conceito de “gastos correntes”, o país usa cerca de 2,5% de seu PIB nesse setor. A média mundial é de 4,7%. Já países que promoveram revolução educacionais chegaram a gastar até 10%. Além disso, o país não gasta US$ 870 por estudante. O piso definido pelo Fundão é de aproximadamente R$ 300, e a média nacional chega a R$ 700 (US$ 350, pela cotação do dólar no dia do artigo).

Quanto ao ensino superior, os gastos por estudantes não são de US$ 14,3 mil, mas de cerca de US$ 3.000 (R$ 5.500), como comprovam estudos da Andifes. Finalmente, quanto à relação professor/aluno divulgada pelo colunista, mais incorreções: não são nove alunos por professor no Brasil, nem 17 alunos/professor nos países mais desenvolvidos.

Primeiro, é preciso saber como é feito esse cálculo, o que se conta como aluno e como professor, se a pesquisa é desenvolvida pelos corpos docentes das universidades ou por outras instituições. A média mundial aluno/professor é de dez para um, com variações que refletem tanto a organização interna do ensino e da pesquisa quanto o desenvolvimento do país. Nas universidades públicas brasileiras, incluídos alunos de pós-graduação, a relação é também de dez para um. É assustador ver que o MEC contribui para que distorções sejam lançadas à sociedade, formando uma verdadeira “corrente” de desinformação. Não é correto driblar a realidade para criar na opinião pública um clima favorável ao ensino pago. Melhor faria o governo se discutisse com a sociedade suas propostas, primando pela divulgação dos dados reais. Fica lançada ao Congresso uma proposta: por que não promover uma auditoria transparente sobre as estatísticas divulgadas pelo MEC? Os educadores a sociedade agradeceriam.

Newton Lima Neto, 45, doutor em engenharia química, é professor e ex-reitor da Universidade Federal de São Carlos. Foi presidente da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) de 1994 a 95.

Otaviano Helene, 49, doutor em Física, é professor do Instituto de Física da USP (Universidade de São Paulo). Foi presidente da Adusp (Associação do Docentes da USP) de 1993.

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