Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, pág. A3, em 7/4/2023
Por volta de 1990, o Brasil
chegou a apresentar a maior concentração de renda do mundo; em nenhum outro país
as diferenças entre ricos e pobres era tão grande quanto aqui. Essa situação só
começou a melhorar de forma sistemática dez anos depois, mas, infelizmente, por
apenas uma década e meia. Ainda somos um dos países mais desiguais do mundo.
Muitos
fatores influenciam a desigualdade na distribuição de renda e por ela são influenciados.
Entre eles está a educação escolar: quanto mais desigual a distribuição de renda,
mais desigual a educação das crianças e jovens, em especial em um país como o Brasil,
que tem uma das maiores taxas de privatização da educação. E quanto mais
desigual for a educação escolar hoje, mais desigual será a distribuição de
renda no futuro.
Vejamos
quão desigual é nosso sistema educacional. Crianças provenientes do grupo dos
20 ou 30% mais pobres, que vivem em domicílios com renda per capita inferior a cerca
de meio salário-mínimo por mês, raramente concluem o ensino fundamental regular.
Consequentemente, o rendimento futuro dessas crianças será muito baixo.
A construção da desigualdade
continua ao longo do ensino médio, cuja conclusão é rara entre jovens da metade
mais pobre da população, e os que o completam, apresentam, como regra, enormes
deficiências de aprendizado.
Parte
das pessoas que concluem o ensino médio tem expectativa de continuar seus estudos
e participa do ENEM. Mas mesmo nesse grupo também há enormes diferenças.
Estudantes de escolas cujos investimentos por aluno (as mensalidades, no caso das
instituições privadas) excedem os três ou quatro mil reais por mês têm nota
média no ENEM próximo dos 700 pontos, cerca de 100 pontos acima da média obtida
pelos estudantes que frequentam escolas cujas mensalidades estão próximas dos
dois mil reais. E estes últimos, outros 50 a 100 pontos acima daqueles que
frequentam escolas com mensalidades próximas dos mil reais. Uma diferença de desempenho
correspondente a 100 pontos no ENEM é muito significativa e tem enorme efeito quanto
às possibilidades futuras de um estudante, fazendo com que as desigualdades
acumuladas até o final do ensino médio se prolonguem no ensino superior.
A grande maioria dos
estudantes brasileiros do ensino médio frequenta escolas estaduais comuns. O desempenho
desses estudantes é, em média, bastante baixo, equivalente ao desempenho dos
estudantes que frequentam escolas privadas com investimentos por aluno entre 1000
e 1500 reais mensais, valores estes que são cerca de duas vezes superiores
àqueles das escolas públicas. Por um lado, esse fato mostra a maior eficiência
do sistema público, mas, por outro lado, revela as deficiências de formação da grande
maioria dos estudantes brasileiros.
Nosso sistema escolar está construindo um futuro de desigualdades e excluindo enormes contingentes de crianças e jovens que, se continuassem seus estudos de forma adequada, muito poderiam contribuir para o desenvolvimento social e cultural do país e para o crescimento econômico. Assim como a realidade atual é, em grande parte, fruto do sistema educacional do passado, nosso presente educacional, com tantas diferenças e exclusões, definirá o futuro do país. Para um futuro melhor, precisaríamos construir, hoje, um sistema escolar (bem) melhor.
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