Publicado em Viomundo em
3/9/2018
A Universidade de São Paulo adotou um sistema de cotas para
ingresso nos cursos de graduação, seja pelo SISU, seja pelo vestibular
tradicional, com três modalidades de vagas: vagas destinadas à ampla
concorrência (AC), sem exigência de nenhum requisito adicional além da
conclusão do ensino médio; vagas destinadas aos candidatos que tenham cursado
integralmente o ensino médio em escolas públicas (EP); e aqueles que, além
dessas condições, declarem-se pretos, pardos ou indígenas (PPI).
Cada curso tem um número fixo de vagas para cada uma das três modalidades e,
aspecto importante, cada candidato concorrerá apenas com os demais que tenham
feito a mesma opção.
Em
cada modalidade as pessoas inscritas no vestibular serão classificadas segundo
sua nota e as vagas preenchidas de acordo com essa classificação.
Cada
curso tem uma cota de 40% das vagas (sejam elas disputadas pelo vestibular ou
pelo SISU) reservada para egressos do ensino público, sendo parte delas para
autodeclarados PPI .
Esse
procedimento cria alguns problemas, um deles colocado aos candidatos a uma vaga
em curso de graduação da USP.
Como
cada candidato concorrerá com seus pares na modalidade escolhida, como alguém,
com perfil de possível cotista EP ou PPI, pode decidir se disputará com seus
pares da mesma modalidade ou se optará pela modalidade AC?
Como
ele não sabe quais serão as razões candidato por vaga nem as notas de corte em
cada modalidade de cada curso, não há como decidir isso.
Mesmo
que um potencial cotista EP, por exemplo, saiba que naquele curso no qual
pretende ingressar há mais candidatos que frequentaram o ensino médio
integralmente em escolas públicas do que em escolas privadas, fato que ocorre
em muitos casos, ele ainda não tem como decidir.
Afinal,
o que é melhor: disputar com candidatos provenientes de escolas privadas na
modalidade AC, com uma dada relação candidato/vaga, ou com seus pares da escola
pública, com uma relação candidato/vaga potencialmente maior?
Outro
dilema do mesmo tipo pode ser encontrado por alguém que tenha frequentado
escola pública e seja preto, pardo ou indígena, e, portanto, possa optar por
qualquer uma das três modalidades: qual a melhor escolha, PPI, EP ou AC?
Os
candidatos não têm informações suficientes para decidir sobre esses dilemas,
que se tornam verdadeiras armadilhas.
O
critério adotado pode levar a alguns efeitos opostos ao que se esperaria com um
sistema de cotas, como o número de ingressantes com perfis EP ou PPI em
determinado curso diminuir.
Por
exemplo, em vários cursos, estudantes que fizeram o ensino médio exclusivamente
em escolas públicas são 40% ou mais dos ingressantes pela Fuvest .
Suponha,
entretanto, que grande parte dos candidatos de escola pública optem pela
modalidade EP.
Nesse
caso, não apenas a porcentagem de ingressantes de escola pública poderá
diminuir, como é possível que muitos candidatos que não conseguiram uma vaga
tenham obtido notas maiores do que seus colegas que optaram pela modalidade AC.
O
mesmo pode acontecer com candidatos que optaram pela modalidade PPI e que foram
excluídos, apesar de terem obtido notas maiores do que as necessárias para
ingressar caso tivessem optado por uma das duas outras modalidades a que têm
direito.
Nesses
casos, o sistema, em lugar de incluir os melhores alunos PPI e EP, os estaria
excluindo.
Caso
todos os candidatos potencialmente cotistas inscrevam-se na modalidade
correspondente ao grupo que fazem parte, o sistema de cotas, em lugar de
definir um mínimo de estudantes com esses perfis, definirá um máximo.
Um
sistema mais simples (e usual) de classificação é considerar as notas dos
candidatos, independentemente de seus perfis, preenchendo-se as vagas de ampla
concorrência (AC) e, depois disso, as destinadas aos cotistas.
Esse
procedimento não apenas aumenta, com certeza, a participação daqueles grupos EP
e PPI como não coloca problemas insolúveis aos candidatos.
Havendo
cotistas não selecionados com notas suficientes para ingressar caso disputassem
as vagas em outra modalidade dentre aquelas a que têm direito, ou cursos nos
quais a porcentagem de estudantes EP ou PPI seja reduzida, além das armadilhas
que o procedimento adotado está criando para os candidatos, a forma de ingresso
adotada pela USP pode ter como efeito a desqualificação do sistema de cotas.
O
que se pretende com o sistema de cotas adotado pela USP, que confunde os
candidatos, pode ter efeitos opostos ao que se espera no caso de cotas e corre
o risco de excluir, em lugar de incluir, estudantes com bom desempenho!
Nenhum comentário:
Postar um comentário