Durante duas décadas, entre 1980 e 2000, o Brasil disputou as piores
posições no quesito concentração de renda. Os demais países nessa macabra
disputa eram Honduras, África do Sul, Chile e Paraguai, entre alguns outros
poucos, todos conhecidos por suas histórias não democráticas e de grande
violência institucional. Por volta de 1990, o Brasil chegou a ser o país com a
pior distribuição de renda entre todos aqueles para os quais havia informações
disponíveis. Essa lamentável situação foi resultado da combinação da longa
história brasileira de exclusão e segregação, do projeto imposto pela ditadura
militar e da consequente crise econômica que se seguiu após seu fim.
Durante duas décadas, entre 1980 e 2000, o Brasil disputou as piores
posições no quesito concentração de renda. Os demais países nessa macabra
disputa eram Honduras, África do Sul, Chile e Paraguai, entre alguns outros
poucos, todos conhecidos por suas histórias não democráticas e de grande
violência institucional. Por volta de 1990, o Brasil chegou a ser o país com a
pior distribuição de renda entre todos aqueles para os quais havia informações
disponíveis. Essa lamentável situação foi resultado da combinação da longa
história brasileira de exclusão e segregação, do projeto imposto pela ditadura
militar e da consequente crise econômica que se seguiu após seu fim.
Ser um dos países mais desiguais do mundo não é coisa pouco grave, pois
uma boa distribuição de renda é condição sine qua non para se
construir um país democrático, soberano e desenvolvido e garantir a todos uma
boa qualidade de vida (1). Se ao final do período ditatorial pudemos ter o
sonho de que em algumas décadas conseguiríamos construir tal país, os últimos
30 anos e o recente golpe mostram que falta muita luta para que esse sonho
possa se realizar.
A educação é uma condicionante
A educação básica poderia – e deveria – ser um instrumento para
enfrentar a desigualdade e contribuir para a construção de um país mais
agradável no futuro. Entretanto, no Brasil, isso não acontece. Ao contrário: o
sistema educacional atua exatamente de forma a reproduzir em seu funcionamento
as desigualdades econômicas e sociais.
As escolas dos mais pobres são muito piores do que as escolas dos mais
ricos; seus professores têm condições de trabalho muito mais precárias; a
quantidade de anos de estudo dos estudantes economicamente mais desfavorecidos
é muito menor do que a de seus colegas mais ricos. A educação formal das
crianças mais pobres começa em uma idade avançada, termina cedo e se restringe
a poucas horas diárias de atividade escolar, inexistindo recursos
extraescolares, como aulas particulares, atividade esportiva orientada,
acompanhamento psicológico, cursos de línguas, viagens culturais etc., coisa
comum nos segmentos mais favorecidos.
O valor monetário do investimento educacional em favor dos mais pobres e
dos mais ricos dá uma ideia de quão desigual é a educação desses dois grupos.
Os investimentos educacionais na educação de uma criança ou jovem pertencente
ao contingente formado pela terça parte mais pobre pode não chegar aos trinta
mil reais ao longo de toda a vida, ficando, não raramente, ainda bem abaixo
disso. No outro extremo, entre os mais ricos, esses investimentos superam, e
não raramente em muito, os 500 mil reais.
O fator de discriminação e exclusão dessa diferença educacional é enorme,
como revelam, por exemplo, os resultados do ENEM, exame que se tornou um
vestibular nacional e serve de porta ou de barreira para o futuro: não há uma
única escola classificada entre as de nível socioeconômico baixo ou muito baixo
pelo INEP (padrão que engloba a maioria da população brasileira), cujos
estudantes tenham tido um desempenho equivalente à média observada nas escolas
classificadas como de nível socioeconômico muito alto.
Se, além disso, considerarmos que entre os contingentes classificados
como tendo nível socioeconômico baixo ou muito baixo, concluir o ensino médio é
uma rara exceção, vemos o poder discriminador e excludente do nosso sistema
educacional. Ou seja, não há nenhuma chance – a menos das raríssimas exceções
individuais – que uma criança que faça parte da metade mais pobre da população
tenha sucesso em sua vida escolar (2).
Com essas características, o sistema educacional brasileiro reproduz a
desigualdade atual e constrói as bases para a desigualdade futura, não deixando
sequer uma fresta ou um atalho para sua superação.
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Mais sobre política educacional? Veja o índice do livro "Um Diagnóstico da Educação Brasileira e de seu Financiamento" clicando aqui.
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Triste conclusão
Considerando os perfis ideológicos daqueles que assumiram a presidência
da República, por que e de que forma o fizeram, sem que sejam intensificadas as
lutas em defesa da democracia, não pode haver nenhuma esperança de superação
das desigualdades nacionais, inclusive no sistema educacional. Demonstrações de
como esses setores veem o sistema educacional têm surgido de forma cada vez
mais frequente.
Exemplos não faltam. O projeto “escola sem partido” e a forma violenta
que seus defensores utilizam para defendê-lo; a posição do secretário de
estadual de educação pública paulista, que é contra a educação pública paulista
(!), pois entende que apenas segurança e justiça devem ser funções do Estado,
sendo que “tudo o mais (educação inclusive), deveria ser providenciado pelos
particulares”; a PEC 241, que impede que os gastos públicos – origem dos
recursos para a educação pública – cresçam além da inflação, quando as
necessidades de recursos crescem não apenas com a inflação, mas, também, com o
crescimento da população, com o crescimento das exigências educacionais e com o
crescimento do PIB, são apenas alguns exemplos recentes do que pode vir por aí.
Os discursos “dinheiro tem, o problema é a gestão”, “só poderemos
aumentar os recursos para a educação pública quando acabar com a corrupção”
(este, repetido inclusive por aqueles que participam alegremente das formas
mais sórdidos de corrupção, entre elas a sonegação de impostos e de contribuições
sociais); “se acabar com o desperdício, a educação pública melhorará”;
“dinheiro, tem, o problema é que está mal distribuído”, entre outros do mesmo
tipo, tão comuns em passado recente e que não haviam desaparecido de todo,
voltarão.
A menos que haja uma mobilização suficientemente intensa na defesa da
educação pública, da superação das desigualdades e no enfrentamento dos
usurpadores da democracia.
Nota:
1) Sobre a dependência dos indicadores de bem estar social com a
desigualdade na distribuição de renda, ver, por exemplo, o vídeo “como a
desigualdade econômica prejudica as sociedades”, um TED Talk apresentado pelo
professor Richard Wilkinson, acessível emhttps://www.youtube.com/watch?v=BJkH89aCDo4
2) É necessário lembrar que os trabalhadores que fazem parte da metade
mais pobre da população recebem da ordem de um salário mínimo ou menos por mês
e que a renda domiciliar per capita nesse setor é inferior a cerca de
R$ 500 por mês; a renda familiar per capita da quarta parte mais pobre da
população é inferior a cerca de cem reais por mês.
Ótimo artigo. Sucinto retrato do caminho para o qual a educação brasileira caminha(lamentavelmente).
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