Publicado originalmente no Correio da Cidadania em 23 de outubro de 2015
O discurso de que os recursos gerados pela exploração do pré-sal
seriam a salvação da educação pública brasileira havia desaparecido, ou,
pelo menos, esmaecido, nos últimos anos.
Neste momento em que se somam a sanha golpista dos partidos mais à
direita; os interesses dos defensores de um neoliberalismo que sobrevive
com dificuldades, especialmente em países onde o desemprego chega a
atingir mais do que a metade dos jovens das camadas mais desfavorecidas
da população; a vontade dos entreguistas, recentemente manifestada em
projeto de lei do senador José Serra, que libera a qualquer empresa as
atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e
desativação das instalações de produção de petróleo e gás; o ódio e o
preconceito generalizado dos radicais religiosos; a ambição dos
sonegadores, um tipo de apropriador de recursos públicos que enriquece e
sobrevive impunemente no Brasil; o interesse das elites econômicas, que
chamam seus privilégios de direitos; a vontade dos saudosistas da
ditadura militar; e os interesses e vontades de tantos outros grupos, é
necessário unificar as ações e os discursos daqueles que se opõem a tudo
isso.
Para fazer frente a essa colcha de retalhos ideológicos,
colecionam-se fatos e argumentos, entre eles a defesa dos recursos
gerados pela exploração do pré-sal para a educação pública. Que a defesa
da democracia, dos interesses nacionais, do petróleo, da Petrobras e do
pré-sal, dos direitos dos trabalhadores, das minorias e dos migrantes,
das (poucas) conquistas sociais, da educação e saúde públicas e,
particularmente, da destinação dos recursos do pré-sal para áreas
sociais é necessária e fundamental, não há nenhuma dúvida. Não fazer tal
defesa é “jogar água” no moinho da direita.
Mas é necessário ser realista na argumentação, sob o risco de
enfraquecer a luta. Assim, é importante relembrar fatos objetivos e
argumentos referentes ao financiamento da educação pública e aos
royalties do pré-sal.
A educação pública necessita de 10% do PIB, se quisermos, algum dia,
vir a ter um sistema educacional democrático e condizente com as
necessidades e possibilidades do país. Como estamos muito longe dessa
situação, faltando cerca de 5% do PIB, todo e qualquer recurso adicional
é bem-vindo, inclusive aqueles originários da exploração de petróleo e
gás.
Entretanto, os recursos gerados pelos royalties (e outras fontes) da
exploração dos recursos energéticos do pré-sal estão e estarão muito
aquém daqueles necessários 5% do PIB.
Uma conta simples com base na produção de petróleo da camada pré-sal
(cerca de um milhão de barris por dia), do seu preço, da ordem de 50
dólares, e dos valores típicos dos royalties, de cerca de 10%, mostra
que tais recursos não ultrapassariam 0,1% do PIB. Isso já seria uma
pequeníssima fração daqueles cerca de 5% do PIB a mais que o setor
educacional precisa.
Mas como há outros setores, além do educacional, a usarem os mesmos
recursos, os valores que seriam destinados à educação seriam ainda
menores do que 0,1% do PIB nacional. Embora, como já dito, não devamos
abrir mão desse recurso, insistir que nele poderia estar a solução para
nossa educação pública é criar uma perigosa ilusão.
O financiamento da educação deve ter como base todas as atividades
econômicas do país, não uma ou algumas poucas. Criar um vínculo forte
entre o financiamento da educação pública e os recursos energéticos do
país não é bom nem para a educação, nem para a política energética.
Não é bom para a educação porque pode dar a ilusão de que estaria na
exploração do pré-sal a solução do problema do seu financiamento,
contribuindo para o adiamento do real enfrentamento da questão
educacional do país, certamente um dos maiores problemas nacionais,
talvez o maior deles. Tampouco é bom para a política energética, pois
pode criar vínculos entre ela e as necessidades de outro setor, forçando
o país a tomar decisões que estão em desacordo com suas necessidades.
A defesa dos interesses nacionais e dos anseios da população deve ser
intensificada, ainda mais neste momento em que aqueles interesses
citados no início do artigo se unem, abrindo espaço para golpes, maior
exploração dos trabalhadores, privatização e desnacionalização dos
recursos nacionais e alimentação de ódios e preconceitos.
Mas devemos ser realistas no entendimento do que significa cada
argumento: devemos defender nossos recursos energéticos e lutar por uma
educação democrática, de qualidade, emancipadora e igualitária usando
fatos, dados e argumentos adequados para cada um dos temas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário