Publicado originalmente no Correio da Cidadania, 29 de Outubro de 2014
Os recursos públicos potencialmente disponíveis para a educação pública no Brasil resumem-se aos percentuais dos impostos recolhidos como definidos pelos dispositivos constitucionais (18% no caso da União e 25% ou 30% no caso dos estados e municípios) e o salário-educação. Outras fontes de recursos, como os royalties do pré-sal, por exemplo, não apenas não são garantidos – pois dependem de estratégias de exploração das reservas, da cotação internacional dos combustíveis fósseis e dos valores dos royalties definidos a cada leilão – como são quase irrisórios, dificilmente atingindo mais do que 0,2% do PIB (1).
Considerando a arrecadação de impostos no país, o salário-educação e que cerca de 80% daqueles recursos potenciais são destinados à educação básica (que vai da creche ao ensino médio), concluímos que esse nível educacional dispõe de um valor entre 3,5% e 4% do PIB. Levando em conta a população a ser atendida pelos sistemas públicos, temos que, na média nacional, a valores de 2014, os investimentos disponíveis por criança e por mês seriam, no máximo, da ordem de R$ 350. No máximo porque, na prática, há uma série de despesas feitas com aqueles recursos que não são relacionadas à educação pública, muitas delas, inclusive, questionadas por tribunais de contas; assim, a disponibilidade de recursos é ainda menor – de fato, muito menor – do que aquele valor.
As despesas educacionais incluem pagamento de professores e demais trabalhadores, despesas de água, luz e telefone, diversos insumos educacionais, construção e manutenção de prédios, aquisição de imóveis, serviços de terceiros e todas as demais despesas inerentes àquela atividade. Ora, qualquer pessoa que tenha alguma ideia sobre os valores aproximados das mensalidades escolares do setor privado, mesmo considerando a maior eficiência do setor público, sabe que é estritamente impossível responder a todas aquelas despesas com parcos 350 reais mensais. Ou seja, ao contrário daquilo que é frequentemente argumentado, o problema fundamental a impedir que a educação pública brasileira apresente melhor qualidade não é a má aplicação dos recursos, mas, sim, a falta deles.
O investimento por aluno e por ano na educação básica pública corresponde a cerca de 15% da renda per capita do país. Nenhum país consegue manter um bom sistema educacional com um percentual assim tão baixo. Valores típicos nos países com bom sistema educacional, sejam eles industrializados e de alta renda ou não, são da ordem de 25% a 30% da renda per capita.
O aumento dos atuais valores para outros mais condizentes com as necessidades e possibilidades do país e com os anseios da população é totalmente viável do ponto de vista econômico. Afinal, a educação, na vida de uma criança ou um jovem, é a atividade mais importante de seu dia – e gostaríamos que fosse, entre todas, a mais longa. Portanto, dedicar a essa atividade um valor próximo a 25% ou 30% da renda per capita seria totalmente razoável.
A total viabilidade de um investimento cerca de duas vezes maior do que o atual e o fato de que isso não é feito desnudam a real política educacional brasileira, ditada pelas elites e servindo a seus propósitos e projetos: aos pobres, educação de pobre; às elites, educação de elite. Tal política faz com que os pobres continuem pobres e não interfiram nos interesses e projetos das elites.
Algumas consequências dos baixos investimentos
As consequências dos baixos investimentos na educação pública são muitas e muito graves. Atualmente, uma em cada três crianças que frequentam escolas públicas abandona o ensino fundamental antes de sua conclusão, pois essas escolas oferecem, com frequência, ambientes desmotivadores – inclusive por causa dos mecanismos de aprovação automática – e não existem recursos para que as famílias enfrentem os custos diretos e indiretos provocados pela frequência à escola, custos esses imperceptíveis para os segmentos mais favorecidos, mas intoleravelmente altos para os mais pobres. Outros fatores ainda a favorecer a evasão escolar são a falta de recursos para atendimentos especiais das crianças e jovens que os necessitem e o fato de a carga de trabalho dos professores impedir o acompanhamento adequado de seus alunos.
Além daquela evasão escolar, gravíssimo flagelo brasileiro que precisa ser enfrentado, há o baixo desempenho dos estudantes provenientes das redes públicas, seja esse desempenho medido por vestibulares ou provas nacionais, que têm como efeito excluí-los dos cursos e carreiras mais concorridos e atraentes, tanto no ensino médio como no ensino superior.
Esses fatos, e muitos outros que tornariam este artigo muito longo, seriam totalmente inaceitáveis em um país verdadeiramente republicano. E o responsável por eles não é apenas, nem em maior grau, o governo federal, uma vez que a educação básica está a cargo dos municípios e dos estados.
Embora se possa argumentar que muitos municípios e estados tenham limitações orçamentárias significativas, o que exigiria colaboração financeira dos estados e da União, o flagelo de nossa educação pública não está restrita àqueles casos. Esse flagelo estende-se por todos os estados e praticamente todos os municípios, inclusive aqueles que não teriam dificuldades econômicas para financiar um bom sistema educacional, como é, por exemplo, o caso de estado de São Paulo, abordado em artigo recentemente publicado neste espaço (2).
O modelo brasileiro: subvencionar os mais ricos com recursos dos mais pobres
Uma condição sine qua non para superarmos os atrasos escolares do país é financeira. Seria necessário que em nenhum estado ou município os investimentos públicos em educação pública por estudante fossem inferiores a 25% da renda per capita nacional ou local.
Entretanto, em lugar disso, o país oferece renúncias fiscais, isenções de contribuições sociais e impostos em todos os níveis, abatimentos de dependentes e de despesas escolares no imposto de renda e subsídios diretos ou indiretos à educação privada, práticas que beneficiam as pessoas de forma tão mais intensas quanto mais ricas forem e que reduzem os recursos disponíveis para o financiamento da educação pública.
Em resumo, com essas ações a educação está contribuindo para inviabilizar a construção de um país realmente democrático, republicano e menos desigual.
Notas:
1) Educação e petróleo, Otaviano Helene e Ildo Luís Sauer, Caros Amigos n. 64, set/2013, disponível em http://blogolitica.blogspot.com.br/search?updated-max=2014-06-20T20:18:00-02:00&max-results=7
2) Como é construída a política educacional: o triste exemplo paulista, Correio da Cidadania, 15 de outubro de 2014.
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