19 de mar. de 2013

A calamitosa educação paulista

Publicado originalmente em Caros Amigos, edição 182, março de 2013, coautoria com Lighia B. Horodynski-Matsushigue

Em 2001, 512 mil jovens concluíram o Ensino Médio no Estado de São Paulo; já, dez anos depois, em 2011, o número de conclusões foi reduzido para 442 mil, uma queda de quase 15%, muito maior do que a queda da população na faixa etária correspondente à conclusão desse nível escolar (da ordem de 5%). Situação similar ocorreu no ensino fundamental, com quase 670 mil conclusões em 2001 e apenas 607 mil em 2011, uma redução também maior do que a variação populacional na faixa etária típica de sua conclusão. Em resumo, andamos para trás. Atualmente, uma em cada dez crianças é expulsa do ensino fundamental paulista antes de completá-lo, assim permanecendo por toda a vida.


A taxa de analfabetismo em São Paulo, em 2010, era de 4,3%, percentual duas ou mais vezes superior à de muitos países de economia liberal e com renda per capita equivalente à paulista, como Argentina, Chile e Uruguai (com taxas de analfabetismo de 2,2%, 1,3% e 1,9%, respectivamente). Quando a comparação é feita com países que permaneceram socialistas até recentemente, com rendas per capita também equivalentes à paulista, tais como Lituânia, Romênia, Estônia ou Polônia, a diferença é gritante: nossa taxa de analfabetismo é de cinco a dez vezes maior.
Quanto à taxa de inclusão no ensino superior (população matriculada dividida pela população em uma faixa etária de 5 anos, na idade correspondente a esse nível de ensino), a do Estado de São Paulo está pouco acima daquelas encontradas entre vários países sul-americanos com rendas per capita próximas, ou mesmo bem abaixo, da paulista, como a Colômbia e o Peru; contudo, corresponde apenas a cerca da metade daquelas verificadas na Venezuela ou no Chile. Novamente, assim como a partir dos demais indicadores, essa é uma situação totalmente incompatível com as possibilidades econômicas do Estado.
Além dos aspectos quantitativos já colocados em evidência, há os qualitativos, que são igualmente – ou mesmo mais – preocupantes. E não poderia ser diferente: tem havido sistemática falta de prioridade para com a educação no Brasil e, de modo especial, no estado de São Paulo. Nesse estado, um bem fundamentado programa de acompanhamento da progressão escolar, desenvolvido inicialmente na prefeitura da capital, sob orientação do educador Paulo Freire– a progressão continuada – transformou-se, por falta de condição de trabalho dos professores, de orientação e estímulo a toda rede escolar, na mal-afamada aprovação automática, que, depois, acabou contaminando também outros estados. Em especial, uma grave situação de falta de planejamento está clamando seu ônus: quase não temos professores licenciados em várias áreas do conhecimento importantes para o desenvolvimento nacional.
Professores para todas as etapas de ensino são formados na educação superior. A oferta de ensino superior público, contando universidades federais e estaduais, é insuficiente em todo o Brasil, mas em São Paulo é calamitosa: temos, aqui, 5 matrículas em instituições públicas para cada mil habitantes, contra 10 matrículas nos demais estados. Além de ser ofertada abaixo das necessidades, em São Paulo a educação superior pública está perdendo feio frente à privada: em 2011, apenas 6% das vagas e 15% das matrículas estavam no setor público, em flagrante contraste com todos os outros estados. Assim, atualmente em São Paulo, 94% de todas as vagas ofertadas se encontram num tipo de instituição, que, majoritariamente, não apresenta as características essenciais para a formação adequada dos estudantes e, além disso, oferece seus serviços apenas em regiões e áreas de conhecimento estritamente em acordo com as possibilidades de sucesso do negócio. Ao não respeitar as necessidades regionais ou de capacitação profissional em determinadas áreas de conhecimento, as instituições privadas pouco ou nada contribuíram para o desenvolvimento do Estado.
Vamos, agora, ao nó górdio da questão educacional. Investimentos na educação básica pública, por estudante e por ano nos países que têm sistemas educacionais que funcionam, sejam eles economicamente desenvolvidos ou não, variam em uma faixa que vai dos 20% aos 30% da renda per capita anual. No Estado de São Paulo, esse investimento, feito por municípios ou pelo governo estadual, é da ordem de 10% da renda per capita. Isso resulta, obviamente, em classes superlotadas, falta de professores, professores sobrecarregados, mal remunerados e com precárias condições de trabalho, pouco tempo de permanência dos estudantes nas escolas e muitas aulas vagas, impossibilidade das escolas atenderem devidamente os estudantes e tudo mais que sabemos acontecer.
Em resumo, a situação educacional paulista está em total desacordo com as possibilidades econômicas do Estado e as necessidades e anseios da população. Surpreendente seria se, com aquele nível de investimento citado, não tivéssemos os problemas que vemos.
Frente a essa situação, seria razoável que o governo estadual, em acordo com municípios e a União, tomasse providências adequadas para que, pelo menos, as exigências da Constituição de 1988 fossem cumpridas, como, por exemplo, a obrigatoriedade do ensino fundamental. (A expressão “obrigatoriedade” só tem sentido se ela se referir à conclusão, não à matricula no primeiro ano do ensino fundamental, como tem sido a interpretação dada por governos.) Para isso, ele poderia ter aproveitado todas as oportunidades que teve. Uma delas seria executar as metas que estavam previstas no Plano Nacional de Educação do período 2001/2011 (PNE 2001/2011). Mas não o fez; ao contrário, como mostram os números citados no início deste artigo, o Estado andou para trás durante a vigência daquele Plano.
Caso as exigências legais do PNE 2001/2011 necessitassem adequações à realidade paulista, o governo poderia fazer um Plano Estadual de Educação (PEE), ação, por sinal, recomendada pela constituição estadual de 1989 em seu artigo 241, exigida pelo PNE 2001/2011 e por lei estadual. Mas, o governo não optou por esse caminho. Quando, em 2003, executivo estadual enviou à Assembleia Legislativa uma proposta de PEE, deu a impressão de que pretendia estabelecer algumas metas mínimas para serem cumpridas tanto por sua rede escolar como pelas redes municipais. Mas era apenas impressão, pois o próprio governo solicitou a retirada do projeto em 2008, sem que, ao menos, tivesse efetivamente iniciado seu trâmite legislativo. Uma razão pela qual pode ter ocorrido essa retirada está, possivelmente, associada ao temor de que seu projeto de PEE provocasse uma discussão, ainda que minimamente democrática, sobre a educação básica no Estado, na medida em que fosse confrontado com outra proposta de PEE, apresentada pela sociedade paulista no mesmo ano. Vale ressaltar que essa última ainda está na Assembleia Legislativa, como Projeto de Lei 1074, de 2003. Outra razão para a retirada do projeto de lei do executivo federal pode ter sido sua preocupação com o fato que não poderia inscrever em um PEE as metas rebaixadas que efetivamente pretendia – e acabou por – cumprir, sem sofrer um enorme desgaste.
O atual governador do Estado de São Paulo acumula sete anos de mandato desde a promulgação do PNE 2001/2011. Além disso, há um mandato de um ano de seu próprio vice-governador, eleito, portanto, na mesma chapa. No restante do período, o Estado de São Paulo foi governado por membros de seu próprio partido. Portanto, não há qualquer dúvida quanto à total falta de compromisso do atual governo estadual com a educação no Estado, pois os recuos apontados neste texto ocorreram sob sua jurisdição e – é importante lembrar – a responsabilidade pela organização do sistema educacional está, por exigência da Constituição estadual, em sua órbita.
Enfim, e em resumo: apesar da calamitosa situação da educação em São Paulo – por sinal, também dramática no restante do país – o governo estadual não tomou as devidas providências para adequar o Plano Nacional de Educação 2001/2011 à realidade paulista, optando, diretamente ou por meio das instituições que estão sob sua jurisdição, simplesmente por ignorá-lo.
Evidentemente, essa situação precisa ser revertida, urgentemente. As ações a seguir ilustram algumas das principais providências a serem tomadas.
Os investimentos na educação básica precisam ser muito aumentados, para acabar com as aulas vagas; dar às escolas as necessárias condições para que possam atender adequadamente seus estudantes; universalizar o ensino fundamental até sua conclusão; melhorar a remuneração dos professores para que esses possam ter menores cargas de trabalho e condições de dar a devida atenção a seus estudantes; aumentar o número de horas de permanência dos estudantes nas escolas; melhorar a qualidade do aprendizado. Investimentos da ordem de 20% a 30% da renda per capita estadual colocariam, em poucos anos, a educação paulista em uma situação compatível com suas possibilidades econômicas.
O investimento na educação superior pública, seja por meio de instituições estaduais ou federais, deveria atingir, em nível de graduação, algo pelo menos da ordem de 1% do produto interno bruto do Estado. Investimentos dessa ordem poderiam atender à totalidade da demanda pelo ensino superior, oferecendo bons cursos, gratuitos, que respondessem à necessidade de profissionais em todas as áreas e com uma distribuição adequada pelas diferentes regiões do Estado.
Com ações nessas direções, em poucos anos a realidade estadual, e não apenas a educacional, estaria totalmente transformada. Por que o governo estadual – em comum acordo com os governos municipais e a União – opta pela inação e pelo abandono da educação pública? Impossibilidade econômica, certamente não é a resposta, como mostram os dados de países com rendas per capita próximas à paulista, citados no início deste artigo. Priorizar outros investimentos também não é a resposta, pois investimentos em educação se pagam em prazos comparáveis aos de investimento no setor produtivo ou na infraestrutura. Inexistência da necessidade de melhorar a educação, obviamente, também não é uma resposta aceitável.
A explicação da inação do governo estadual talvez seja o receio do surgimento de um projeto educacional emancipador, independente do controle pelo executivo estadual, que seja democrático, autônomo, possibilitando um ensino público, gratuito e (perigosamente?) igualitário, portanto em desacordo com o projeto ultraliberal – e irresponsável – com o qual está totalmente comprometido.

4 comentários:

  1. Muito bom o material que um outro Professor de Física me enviou sobre sua palestra. Vou atrás de seu livro, pois, tenho opiniões muito próximas a sua!
    Se tiver sugestão de onde adquirir seu livro no centro ou Zona Norte de São Paulo, aceito sugestões!
    PARABÉNS!!!!!

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    1. Obrigado pelos comentários.
      Quanto à aquisição do livro, tenho sugerido o site da editora, http://www.autoresassociados.com.br/
      Otaviano

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  2. PARABÉNS Prof. Dr. Otaviano!!!!
    Sou professor da educação básica na rede estadual e municipal e fiquei muito feliz ao assistir a sua palestra no IF-USP em janeiro deste ano.
    Eu, assim como muitos outros, vivenciamos (e sentimos) o abandono em que se encontra o sistema educacional brasileiro.
    Precisamos de mais pessoas como o sr. para acabar com os descalabros que estão impondo à educação do país.
    Vou divulgar o seu blog para todos os outros professores da escola, pois os artigos são sublimes, contundentes e atingem o âmago da questão.
    PARABÉNS!!!!!!
    Prof. Carlos Alberto.

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    1. Obrigado pelas palavras de incentivo.
      Tenho apresentado várias palestras sobre o tema - em univeridades, escolas, associações, sindicatos...- e a recepção é sempre positiva. O difícil é construir a mobiliação e a luta em defesa de uma educação democrática e igualitária.
      Mas vamos continuar a luta!
      Otaviano

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