20 de out. de 2011

O mito do custo do ensino superior

Publicado originalmente no Brasil de Fato 447, 22 a 28 de setembro de 2011

Muitas das decisões sobre políticas educacionais no país são tomadas com base em interesses nada republicanos e “fundamentadas” em mitos fortemente propalados para dar àquelas decisões a aparência de seriedade. Um desses mitos diz respeito aos investimentos necessários para manter um estudante de graduação, que seriam muito inferiores nas instituições privadas quando comparados com os das públicas. Esse mito, como não poderia deixar de ser, é repetido à exaustão; afinal, é dessa forma que mitos sobrevivem.

A conta que embasa esse mito corresponde, simplesmente, a dividir o orçamento de uma instituição pública pelo número de matrículas nos cursos de graduação e comparar o resultado com as anuidades das instituições privadas. Mas esse critério está errado.
Os orçamentos usados para esse cálculo não são comparáveis, pois os das instituições públicas incluem muitas despesas não incluídas nos das instituições privadas, tais como pós graduação, pesquisa científica e tecnológica, o atendimento da população em seus hospitais, a prestações de serviços como museus, rádios, centros culturais, editoras etc. Em várias instituições públicas, os orçamentos incluem, ainda, o pagamento de aposentadorias (como é o caso das universidades estaduais paulistas, USP, Unesp e Unicamp), enquanto as aposentadorias das instituições privadas são pagas principalmente pelo INSS. Portanto, para uma comparação imparcial dos investimentos para manter um estudante em um curso de graduação, devemos levar em conta esses fatos.
Outra questão a ser considerada é a distribuição dos estudantes pelas diferentes áreas de conhecimento. Por várias razões, inclusive puramente financeiras ou mercantis, as instituições privadas concentram seus cursos onde a combinação dos custos com o apelo mercadológico é mais favorável. Assim, por exemplo, embora cerca de 75% das matriculas em cursos superiores estejam nas instituições privadas, elas estão concentradas em cursos nos quais a relação entre a atratividade (cursos da moda ou cursos que dão a impressão de propiciar emprego fácil e bom no futuro) e os investimentos são mais favoráveis. Vamos a alguns dados. Na área de Administração, com cursos que exigem poucos investimentos e têm grande atratividade, a porcentagem de matrículas em instituições privadas é bem acima da média nacional, mais de 90%. Na área de Medicina, de alto apelo, mas de custos bastante elevados por causa da infraestrutura, dos laboratórios e da grande carga didática, a privatização é significativamente abaixo da média nacional, inferior a 60%, e em grande parte correspondendo a instituições não mercantis. Na área de produção agrícola e pecuária, com algum apelo, mas custo relativamente alto, por envolver laboratórios complexos, a privatização está abaixo dos 30%. Como último exemplo, os cursos de bacharelado em Física, de custo relativamente alto e pouco atraente, ela é de apenas 5%.
Portanto, usar as médias dos investimentos necessários para manter um estudante de graduação em uma instituição pública e em uma instituição privada sem levar em conta o que foi mostrado acima, leva a conclusões erradas.
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Mais sobre política educacional? Veja o índice do livro "Um Diagnóstico da Educação Brasileira e de seu Financiamento" clicando aqui.
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Quando são feitas essas correções, vemos que o mito é totalmente falso, pois a realidade mostra o inverso. Em um curso na mesma área de conhecimento e com mesma qualidade, os levantamentos já mostraram que os custos da USP, por exemplo, são comparáveis ou mesmo menores do que o que é cobrado pelas instituições privadas.
E se considerarmos os retornos dados à sociedade, como a adequação dos cursos às necessidades nacionais e suas distribuições geográficas, as instituições públicas se mostram ainda muito mais vantajosas. Devemos, também, considerar o abandono dos cursos, significativamente mais alto nas instituições privadas do que nas públicas, o que faz com que o custo efetivo de formação de quadros para o país por essas instituições seja ainda mais caro do que parece quando olhamos apenas suas mensalidades.
Mas mitos são mitos: suas existências independem da realidade e uma de suas funções é estabelecer modelos de pensamento. E os mitos, ao lado dos “impostômetros” e discursos amplamente propalados pela mídia, existem não apenas na educação, mas em muitos outros setores, servindo para “embasar” muitas de nossas políticas e impedindo que mais recursos sejam destinados à educação pública e a outras áreas de interesse social.

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