28 de fev. de 2011

Como vai a educação brasileira

Artigo publicado originalmente no Le Monde Diplomatique Brasil, no. 43, fevereiro/2011, em coautoria com  Lighia B. Horodynski-Matsushigue

A evolução apresentada na década passada não é nem atípica, nem significa a tão almejada mudança de paradigma do sistema educacional. Infelizmente, nada aponta para o início de um processo rumo à necessária inclusão das camadas desfavorecidas



Um Projeto de Lei contendo o novo Plano Nacional de Educação, cuja validade se estenderá pelos próximos dez anos, foi recentemente encaminhado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional, que o deverá apreciar.

Além das lições que deveríamos ter apreendido a partir do não cumprimento das metas do PNE que ora se encerra, convém analisar as informações sobre a realidade educacional brasileira que podem ser extraídas da série histórica das avaliações internacionais organizadas pela OCDE, conhecidas como Pisa (Programme for International Student Assessment).

Começando em 2000, o Pisa vem avaliando, a cada três anos, jovens de 15 anos devidamente matriculados em instituições de ensino e que tenham completado, pelo menos, seis anos de instrução. Nessa avaliação, que envolve vários países, é considerada a capacidade de absorção e manipulação de informações fornecidas por textos escritos, tabelas e gráficos. É evidente que tal capacidade é fator essencial para o sucesso profissional e a possibilidade de uma inserção crítica na sociedade moderna.

Os resultados apresentados pelos estudantes brasileiros na versão 2009 do Pisa suscitaram declarações otimistas dos detentores do poder, repercutidas pelos meios de comunicação. Mas, um olhar mais atento mostra que esse otimismo não se justifica.(1)

É verdade que os resultados do Brasil foram melhores em 2009 que em 2000. Entretanto, isso diz muito pouco. É muito raro um país retroceder em seus indicadores educacionais, isso ocorre apenas como consequência de situações nacionais extremamente graves, como grandes catástrofes naturais, grandes epidemias, guerras etc. O fato é que avançamos muito menos do que poderíamos e do que precisaríamos avançar e, em termos relativos, menos que vários outros países com renda per capita bem abaixo da nossa, como, por exemplo, Peru, Albânia e Indonésia (na proficiência em leitura), México (em Matemática) e Turquia (em Ciências).
ABAIXO DO MÍNIMO
No universo dos 65 países que participaram da mais recente versão do Pisa, o Brasil ocupa o 53° lugar em compreensão da leitura e em Ciências, e o 57° em Matemática, à frente apenas de países de muito menor expressão no cenário mundial. Quando, em 2000, ocupou o último lugar do ranking, em um conjunto de 43 países, a maioria dos atuais “últimos” não estava participando da avaliação.

Na verdade, a evolução apresentada na década passada pelo Brasil não é nem atípica, nem significa a tão almejada mudança de paradigma do nosso sistema educacional. Infelizmente, nada aponta para o início de um processo rumo à necessária inclusão das camadas desfavorecidas da população, as grandes vítimas do nosso sistema educacional excludente e elitista.

Um olhar treinado é capaz de captar a informação mais dramática coletada pelo Pisa, que se refere ao número assustador de estudantes que nem sequer conseguem chegar ao nível 2 do processo de aquisição de proficiência, numa escala que vai de 1 a 6. Trata-se de proporções alarmantes: 49,6% em leitura, 69,1% em Matemática e 54,2% em Ciências estão abaixo desse mínimo aceitável.

Isso significa que metade, ou mais, dos nossos jovens estudantes não consegue extrair informações relevantes de textos um pouco menos explícitos, muito menos manipulá-las para fazer comparações com outros dados ou para outros fins. Na outra ponta, a situação também não é nada animadora: a ínfima porcentagem de 1%, ou menos, dos estudantes brasileiros consegue se classificar na faixa dos que obtêm pontuação correspondente ao nível 5, ou acima, na escala mencionada.

No conjunto da OCDE, que, vale lembrar, não inclui apenas países considerados ricos, mas também dois latino-americanos (Chile e México), além de Portugal, Grécia, Irlanda, Espanha etc., as médias das proporções de estudantes com esse desempenho superior são muito melhores, correspondendo a 8,2%, 13,4% e 8,5% dos avaliados, respectivamente, em leitura, Matemática e Ciências. Ressalta-se que, de modo consistente, Finlândia, Japão e Coreia, dentre outros, alcançam proporções que chegam ao dobro desses valores médios.

Nossa deplorável condição nesse quesito implica que nem as, assim chamadas, escolas de elite do sistema particular conseguem apresentar quantitativamente, quanto mais qualitativamente, contingente de formandos suficiente para manter o deplorável status quo atual. Que chances terá o país se persistir essa situação?
Mas a situação educacional da população brasileira é ainda pior. O retrato revelado pelo Pisa é apenas parcial, pois não inclui aqueles estudantes com menos de seis anos de escolarização formal nem os jovens que já foram excluídos da escola, o que totaliza cerca de 20% dos brasileiros de 15 anos.
Dos demais países que participaram do programa, em 2009, apenas três (Turquia, México e Indonésia) têm maior porcentagem que o Brasil de jovens fora das regras do Pisa. Se essa fatia de 20% de jovens desprovidos do acesso aos bens culturais fosse incluída na avaliação, nossa média despencaria.

Há um aspecto perverso em nosso sistema escolar, que tem muito a ver com um dos maiores problemas brasileiros, que é a concentração da renda e a desigualdade social. Como essa desigualdade penetra integralmente no sistema educacional, nossa população é escolarizada de forma muito desigual, tanto quantitativamente como qualitativamente, obviamente em detrimento das camadas mais desfavorecidas.

Essa desigualdade educacional atual contribuirá para a formação de uma população adulta muito desigual no futuro – assim como a desigualdade educacional passada foi a grande responsável pela atual desigualdade social e econômica. Assim, nosso sistema educacional contribui para fechar um círculo vicioso terrível: projetar, no futuro, as atuais situações de concentração de renda e desigualdade social.

É essencial, pois, que as crianças de classes sociais menos favorecidas sejam especialmente incentivadas, condição necessária para uma educação democrática e republicana e, também, para que no futuro tenhamos condições objetivas e sólidas de combater nossa perversa concentração de renda.

Vale salientar, como exemplo, que houve imediata e grande repercussão na sociedade alemã quando os resultados do Pisa de 2000 foram divulgados e demonstraram que os estudantes daquele país, em particular, apresentaram resultados um pouco abaixo da média (2); programas especiais de inclusão para filhos de imigrantes e das classes menos favorecidas (3) foram, então, colocados em prática, e houve toda uma revisão do sistema escolar, resultando em melhoras consideráveis de posicionamento nas avaliações do Pisa, ao longo da década (4).

PROFESSORES DESMOTIVADOS

No Brasil, esse tipo de postura inexiste: nós não sabemos o que fazer das inúmeras avaliações educacionais existentes. Quando algum dado positivo ou aparentemente positivo aparece, vangloriamo-nos dele; quando é negativo, tentamos escondê-lo, justificá-lo ou achar o(s) culpado(s), personificando as causas do fracasso, que claramente deveria ser atribuído à inexistência de uma política social pública eficaz. Assim, nada aprendemos nem com um nem com outro tipo de dado, e nada fazemos para corrigir as distorções e problemas encontrados.

As análises do Pisa são enfáticas: sem professores motivados não há saída para a Educação. E motivar professores inclui, necessariamente, melhores salários. Professores com nível superior e que atuam na educação fundamental pública no Brasil, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), feita pelo IBGE, recebem pouco mais que a metade do que recebem os demais trabalhadores com o mesmo nível de formação escolar. (5)
Além disso, é preciso melhorar muito as condições de trabalho e de estudo nas escolas públicas que atendem à vasta maioria das crianças e dos jovens deste país, ou seja, fornecer-lhes as condições necessárias para receber e acolher adequadamente seus estudantes. Isso inclui aumentar o período letivo, acabar com as “aulas vagas” e os dias de aula sem aula, tornar as classes menores, providenciar laboratórios e bibliotecas, atendimento extraclasse aos estudantes que dele necessitem etc. Mas, acima de tudo, significa possibilitar ao professor fixar-se em uma única escola, como ocorre na maioria dos países, com um salário digno e a devida valorização.
Outra verdade, aceita internacionalmente, relaciona qualidade na educação a um mínimo indispensável de recursos a ela destinados, embora, sabidamente, esse não seja o único fator.

Pois bem, em publicação de setembro de 2010, a prestigiosa análise da OCDE, Education at a Glance, apresenta dados que indicam que o Brasil investe (em valores PPC – Paridade de Poder de Compra) por estudante no ensino médio apenas um quinto do que fazem outros países (6). No caso do ensino fundamental investimos, por estudante, da ordem de um terço dos valores médios e, mesmo nos dias atuais, apenas um quinto, por exemplo, dos recursos destinados à educação básica pelos EUA.

Voltemos agora ao PNE proposto pelo executivo federal. Quais as possíveis soluções apontadas por ele? Algumas metas apresentadas no Projeto de Lei poderiam ser consideradas positivas: aumentar o atendimento educacional à primeira infância (meta 1); universalizar, em cinco anos, o atendimento escolar dos jovens de 15 a 17 anos, garantindo 85% desses no ensino médio (meta 3); oferecer educação em tempo integral em 50% das escolas de educação básica (meta 6); valorizar o magistério público da educação básica, aumentando seu rendimento (meta 17) e assegurando a existência de planos de carreira (meta 18).

São metas bonitas e corretas. Contudo, metas semelhantes já faziam parte do PNE que ora se encerra, bem como dos planos estaduais e municipais de educação aprovados (ou abortados, como no caso do Estado de São Paulo). Passou-se uma década sem que, ao menos, chegássemos próximo dos objetivos por elas expressos (7), mostrando total descaso, não apenas pela educação escolar, mas também pelas leis (sociais) que, parece, já são formuladas para não serem levadas a efeito. Infelizmente, o PNE (2001-2011) foi uma delas.

Como o perfil político dos governos (federal, estaduais e municipais), bem como a composição do Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, não se alterou de forma significativa, chegamos à absurda situação de os governantes que não cumpriram nem fizeram cumprir, em sua plenitude, nenhumas das metas dos planos educacionais por eles propostos e aprovados agora propõem novas metas, iguais ou muito semelhantes às que ignoraram durante os últimos dez anos.

Pouco será conquistado, na prática, se continuarmos a elaborar planos sem que seja definido muito claramente quem deve cumprir as metas estabelecidas, em que prazo e quais as condições materiais, em especial financeiras e orçamentárias, que deverão ser mobilizadas para isso.

Sobretudo, devem ser definidas punições para aqueles que deixarem de cumprir a sua parte. Repetir o que ocorreu na última década – escrever metas em algum papel – de nada adiantará. Apenas servirá para enganar a população por mais dez anos, e uma leitura atenta do próximo Pisa revelará, novamente, nossos problemas.
A habitual leitura superficial poderá permitir que os executivos e a mídia façam uma interpretação inconsequente de seu conteúdo, dando a impressão, novamente, de que andamos para a frente, quando, de fato, nos afastamos ainda mais do que ocorre nos demais países.
Otaviano Helene e Lighia B. Horodynski-Matsushigue
Otaviano Helene, professor do Instituto de Física da USP, foi presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp) e do Inep/MEC; Lighia B. Horodynski-Matsushigue, professora aposentada do Instituto de Física da USP, foi vice-presidente da Regional São Paulo do Andes – Sindicato Nacional e diretora de sua Seção Sindical na USP (Adusp).

1 Os resultados do Pisa podem ser encontrados no sítio http://www.pisa.oecd.org/
2 Ver Ehmke et al, Pisa 2003, Der Bildungstand der Jugendlichen in Deutschland , Waxmann, Münster/New York, 2004, p. 244.
3 Ver Geissler, R. in Berger et Kahlert, Institutionalisierte Ungleichheiten, Juvenat Verlag,Weinheim und München, 2005, págs.71-100.
4 Pisa 2009, Results: Learning Trends – Changes in student performances since 2000.
5 Ver artigo “Educação, um terrível círculo vicioso”, O Estado de S. Paulo, 23/8/2010, pág. 2; disponível em www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100823/not_imp598934,0.php ou http://blogolitica.blogspot.com/ (acesso em 21/01/2011).
6 O documento Education at a glance pode ser consultado em www.oecd.org/edu/eag2010
7 Ver artigo “O que esperar do novo PNE?”, O Estado de S. Paulo, 18/1/2011, pág. 2, disponível em www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110118/not_imp667573,0.php

2 comentários:

  1. Ótima reflexão!
    Muito bem relacionada à pesquisa que estou desenvolvendo, a qual trata das desigualdades sociais na própria escola pública.

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  2. Franceline,
    Obrigado pelo comentário. Há alguns textos sobre a relação entre desigualdade e educação. Em particular, veja o artigo "Distribuição de renda e educação"
    Otaviano Helene

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