Publicado no Jornal da USP em 13/5/2025
Não é raro depararmos com afirmações de que o problema da educação brasileira não é falta de recursos. As frases são do tipo “recursos existem, o problema é…”, seguidas de uma variedade de críticas, como má gestão, falta de foco, ineficiência etc. A quantidade de vezes que esse tipo de discurso aparece é muito grande e, quando associado a alguma crítica referente à gestão, ineficiência ou algum termo do mesmo tipo, a origem da fala, frequentemente, é alguma fonte representando interesses privados, que se apregoam como sendo melhores administradores do que o setor público.
Exemplos comuns de países usados para ilustrar a ideia de que “dinheiro não é problema” são Japão, República da Coreia ou Alemanha, entre alguns outros. No entanto, essa comparação com o Brasil contém falhas fundamentais. Uma delas é a desconsideração das pirâmides etárias desses países, que possuem uma porcentagem de jovens e crianças significativamente menor em relação à população brasileira. O caso extremo é o da Coreia do Sul, onde o percentual de jovens e crianças é cerca da metade do observado no Brasil.
Outro ponto importante, frequentemente ignorado, é o atraso escolar do Brasil, evidenciado pelas altas taxas de evasão, analfabetismo e pelos baixos desempenhos estudantis. Esse atraso é praticamente inexistente nos países mencionados, que, portanto, não enfrentam a necessidade de investimentos para resolvê-lo. Sem o desafio do atraso escolar e com um número reduzido de crianças e jovens a serem escolarizados, a demanda por recursos é consideravelmente menor.
Surgiram, bem recentemente, alguns documentos preparados e divulgados por várias entidades afirmando que o Brasil investe 6% do PIB em educação, citando como fonte a Unesco ou o Banco Mundial. Ora, esses órgãos não fazem levantamentos, apenas reproduzem as informações recebidas dos governos. Embora essas fontes possam ser úteis para uma comparação geral, quando temos acesso aos dados originais, como é o caso para informações do Brasil, é melhor usá-los. O valor de 6% mencionado resulta de um arredondamento para cima do valor que aparece naquelas fontes internacionais, que é de 5,5%. No entanto esse valor já estava arredondado para cima em relação ao valor original, divulgado pelo INEP, um pouco menor do que 5,5%. Portanto, caso se queira arredondar o valor nacional para um único algarismo, seria para baixo, 5%, não para cima.
Há ainda outro ponto importante a ser considerado. O INEP divulga os investimentos em educação como percentual do PIB de duas formas diferentes. Uma delas inclui apenas os recursos efetivamente destinados à educação pública, incluindo salários, encargos sociais, inversões financeiras, despesas de custeio e capital e todas as demais relacionadas com despesas escolares e educação em todos os níveis e modalidades. Segundo essa metodologia, em 2021 o valor investido foi de 4,7% do PIB. Aqueles 5,5% registrados pela Unesco e pelo Banco Mundial, incluem, além desses itens, uma estimativa do complemento de aposentadorias futuras, transferências para entidades privadas e outras despesas não relacionadas à educação pública. Ou seja, o Brasil investe 4,7% de seu PIB em educação pública e não 6%.
É comum encontrar nos artigos e documentos que afirmam que “dinheiro tem, o problema é” o reconhecimento de que professores são mal remunerados ou de que o investimento por aluno é baixo. No entanto, essa argumentação apresenta contradições. As despesas com educação são majoritariamente salariais. Então, como pode haver recursos suficientes e os salários serem baixos? E como pode haver dinheiro disponível, mas os investimentos por aluno – que é a divisão dos recursos pela quantidade de alunos – serem baixos? Além disso, considerando que muitos jovens e crianças estão fora da escola, a análise não poderia ser feita usando recursos por aluno, mas, sim, recurso por jovem ou criança que estão ou deveriam estar frequentando escolas.
O Brasil está ainda muito longe de ter um sistema educacional minimamente adequado. Não conseguiremos esse objetivo sem aumentar muito os investimentos no setor e atingirmos um valor perto de 30% da renda per capita por criança e jovem na educação básica, que é um padrão típico nos países que, pobres ou ricos, têm um bom sistema educacional. Narrativas do tipo “dinheiro tem” apenas agravam a situação e dificultam a luta em defesa da educação pública e de seu financiamento. Seria esse o objetivo?
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