Publicado no Correio da Cidadania, em 31/maio/2017
O ataque sistemático
à universidade pública no Brasil, a fim de abrir espaço ao setor privado, fez
com que nosso país se tornasse um daqueles com as maiores proporções de
matrículas no setor privado em todo o mundo. Apesar da (falsa) justificativa
para a privatização ser a necessidade de apelar para que o setor privado
colabore com a inclusão no ensino superior, o fato é que isso não ocorre.
A taxa de
privatização no Brasil é maior do que a média dos demais países da América do
Sul, mas a taxa de inclusão de jovens no ensino superior, perto de 40% (1),
está bem abaixo da média observada nos demais países sul-americanos, de 58% (no
Brasil, a taxa de inclusão é pouco mais da metade daquela observada na
Argentina ou na Venezuela e significativamente inferior à do Uruguai, países
com taxas de privatização bem inferiores à brasileira). Ou seja, a privatização
não resolveu – e não tinha porque resolver – o problema da inclusão.
A privatização em São Paulo
No estado de São
Paulo, a proporção de estudantes matriculados no ensino superior público é bem
menor do que a média dos demais estados – São Paulo “puxa para baixo” a média
nacional. Em São Paulo, apenas 16% das matrículas em cursos superiores estão em
instituições públicas, sejam elas universidades, faculdades isoladas ou
faculdades de tecnologia; nos demais estados, essa proporção é de 32%, duas
vezes melhor (ou, duas vezes menos ruim).
A tabela a seguir
mostra outros indicadores da privatização do ensino superior, confirmando que
São Paulo é, qualquer que seja o critério, muito mais privatizado do que o
restante do país. Se São Paulo fosse um país, seria aquele com ensino superior
mais privatizado de todo o mundo.
Porcentagem das vagas de ingresso no setor público
|
Concluintes do ensino médio por vaga de ingresso em instituições
públicas
|
Relação entre o número de habitantes e o número de matrículas no
ensino superior público
|
|
São Paulo
|
9%
|
4,8
|
166
|
Demais estados
|
17%
|
3,3
|
103
|
Tabela 1 – A privatização da educação superior em SP é maior do que a
dos demais estados qualquer que seja o critério adotado para medi-la.
Cálculos do autor com base em dados disponibilizados pelo IBGE e INEP. Ano de
referência: 2015.
|
A privatização do
ensino superior no Brasil não é uma consequência de dificuldades econômicas:
ela é resultado de uma política desenvolvida ao longo do tempo. A universidade
pública de qualidade é perfeitamente viável e compatível com a realidade
econômica do país.
Um “argumento” falso,
mas muito usado contra a educação pública, é que seu custo seria maior do que o
custo de uma instituição privada. Esse “argumento”, tão evocado pela mídia e
pelos grupos econômicos dominantes, acaba por se propagar porque a enorme maioria
da população não tem acesso a informações necessárias para analisar a situação.
Os investimentos
necessários para manter um estudante de graduação na USP são equivalentes ou
inferiores aos mesmos investimentos feitos no setor privado em um mesmo curso e
com qualidade comparável. A tabela 2 mostra os valores calculados a preços de
abril de 2016 (2).
As diferentes áreas
de conhecimento foram separadas entre aquelas que não exigem laboratórios ou
onde estes são bem simples, como é o caso dos cursos de matemática e grande
parte dos cursos nas áreas chamadas de “humanidades”, entre outros, aquelas que
exigem laboratórios relativamente simples – sem seres vivos e sem equipamentos
muito complexos, algumas engenharias servindo de exemplo – e aquelas que exigem
laboratórios complexos (e altas cargas horárias), onde o curso de medicina
talvez seja o mais conhecido.
Tabela
2 - Investimento mensal médio para manter um estudante na USP nos três grupos
de cursos considerados; valores de abril de 2016.
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||
Áreas
que não exigem laboratórios ou estes são relativamente simples
|
Áreas
intermediárias
|
Áreas
com altas cargas horárias e laboratórios complexos
|
R$
1.100
|
R$
2.200
|
R$
4.400
|
Os valores que
aparecem na tabela 2 são inferiores às mensalidades cobradas pelos cursos equivalentes
e com mesma qualidade oferecidos pelo setor privado.
Ainda que possa
parecer estranho para grande parte da população acostumada com o discurso,
falso, mas quase universal, de que o setor público é caro e ineficiente, o
custo da educação pública é menor do que o custo da educação privada com igual
qualidade.
Custo da USP frente ao PIB paulista
Quanto custa uma
universidade como a USP? Responder a essa questão é fundamental para argumentar
que uma universidade pública de qualidade e capaz de atender a uma proporção de
jovens equivalente ao que fazem muitos países é totalmente viável. Embora o que
segue se restrinja ao ensino superior, isso ocorre também nas demais
modalidades.
O referencial
adequado para fazer as estimativas dos custos é o produto interno bruto (PIB),
indicador que reflete tanto as necessidades educacionais do país como suas
possibilidades. A tabela 3 mostra quanto custa o ensino, a pesquisa e a
extensão de serviços à comunidade (museus, hospitais, rádios, cursos abertos à
comunidade externa etc.) na Universidade de São Paulo em relação ao PIB
estadual.
Ensino (graduação e pós)
|
Pesquisa
|
Extensão
|
Total
|
0,12%
|
0,06%
|
0,01%
|
0,18%
|
Tabela 3 – Custo da USP em relação ao
PIB paulista.
|
Caso o investimento
em ensino superior público em São Paulo, em nível de graduação, fosse da ordem
de 1% do PIB estadual, valor típico para países cuja necessidade educacional e
realidade econômica não são diferentes das nossas, a totalidade dos estudantes
de ensino superior paulista poderia estar frequentando instituições públicas de
qualidade, espalhadas pelo estado segundo as necessidades e possibilidades das
diferentes regiões e cidades (e não segundo os interesses comerciais), que
oferecem cursos de qualidade e que respondem adequadamente às nossas
necessidades.
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Conclusão
O abandono do ensino
superior pelo setor público e a consequente entrega ao setor privado nada tem a
ver com dificuldades econômicas do estado de São Paulo.
O custo para manter
um estudante na USP é inferior, e bem inferior em algumas áreas, ao custo de um
estudante no mesmo curso e em uma instituição privada de qualidade equivalente.
Além disso, vale observar que a evasão nas instituições públicas de ensino
superior é menor do que nas instituições privadas, fato que faz com que o custo
de um aluno formado seja ainda mais favorável no setor público quando comparado
com o setor privado.
Não pode haver
dúvidas, portanto, que o ensino público superior em uma universidade de
qualidade é totalmente compatível com a realidade do estado de São Paulo e,
comparativamente, muito melhor do que o ensino privado. Vale lembrar, por fim,
que os investimentos em educação se pagam em períodos que podem ser tão curtos
quanto cinco ou dez anos.
Abandonar o ensino
superior é um crime que se faz hoje e cuja vítima será a população futura.
Notas:
1) Todos os dados citados têm como
fonte as sinopses estatísticas do INEP, informações populacionais divulgadas
pelo IBGE e os dados educacionais disponíveis nos sítios da UNESCO.
2) Detalhes dos cálculos aparecem no
artigo “Quanto ‘custa’ a USP? Quanto ‘custa’ um aluno na USP?”, publicado
originalmente no Correio da Cidadania em 29/junho/2016 e acessível em
http://www.correiocidadania.com.br/social/11786-29-06-2016-quanto-custa-a-usp-quanto-custa-um-aluno-na-usp
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