Publicado originalmente no Correio da Cidadania em 16/nov/2016
A Proposta de Emenda Constitucional 55, ora em tramitação no Senado, tem como objetivo, segundo seus defensores, “reestabelecer a confiança na sustentabilidade dos gastos e da dívida pública”.
A
“solução” apontada pelo governo para “reestabelecer a confiança” é congelar,
em termos reais, os gastos públicos federais durante 20 anos, considerando
como indicador inflacionário o IPCA do IBGE. Como nos últimos 20 anos, quando
o PIB quase dobrou em termos reais e a renda per capita aumentou, também em
termos reais, por um fator próximo a uma vez e meia, nos próximos 20,
provavelmente, acontecerão coisas próximas a isso. Assim, corrigir os gastos
apenas pela inflação implica em reduzi-los em relação ao PIB e em termos per
capita.
Quais
as consequências disso na prática? Vamos ver alguns exemplos com números. Em
1996, o orçamento do Ministério da Saúde foi de 15 bilhões de reais;
atualizado apenas pela inflação, de 260% desde então, ele estaria perto de
R$ 55 bilhões, menos da metade do que é hoje, cerca de 120 bilhões. As
consequências seriam óbvias: menos médicos, salários menores, limitações de
exames, atendimento precário, menor quantidade de postos de saúde, filas
maiores e mais demoradas etc.
O MEC,
por sua vez, caso tivesse seu orçamento corrigido apenas pela inflação desde
1996, teria disponível, hoje, cerca de R$ 25 bilhões, uma pequena fração
do que foi em 2015, perto de 100 bilhões de reais: portanto, nada de Reuni;
salários muito menores para os trabalhadores da educação; nada de complemento
federal ao Fundeb; menos alunos, menos professores ou uma combinação dessas
duas coisas.
Outros
números podem dar uma ideia complementar do que é corrigir valores apenas
pela inflação por duas décadas. Caso isso tivesse sido feito com o salário
mínimo, este seria, hoje, de 400 reais. Usando a mesma sistemática para os
orçamentos das secretarias de educação, estes seriam da ordem da metade do
que são hoje e, portanto, os salários dos professores seriam ainda menores.
Crescimento
do PIB não significa apenas mais do mesmo: significa, também, incorporar na
vida do país novas coisas, as quais se tornam necessárias para as pessoas e
para o funcionamento das várias atividades da sociedade. Por exemplo,
computadores domésticos, telefones celulares, fotocopiadoras em escolas,
tomografias e serviços como os do SAMU são algumas coisas que não existiam há
vinte anos ou cujo uso e necessidade cresceram muito.
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Essas
coisas só foram incorporadas na vida das pessoas e das instituições na medida
em que a renda das primeiras acompanhou o crescimento da renda per capita do
país e os orçamentos públicos acompanharam pelo menos a variação do PIB. Caso
estas duas coisas não tivessem acontecido – e rendas e orçamentos públicos
tivessem acompanhado apenas a inflação –, escolas não teriam fotocopiadoras
ou computadores, usuários do SUS não teriam acesso a exames ou cirurgias
complexos, o piso da aposentadoria seria da ordem de R$ 400 e o teto, a
metade do que é hoje.
Assim,
a Proposta de Emenda Constitucional apresentada pelo governo federal, ao
congelar as aplicações e os investimentos, que ele chama de gastos, fará com
que tudo aquilo que depende de financiamento público fique cada vez mais
distante do que a realidade econômica permite e exige.
Novos
artigos da Constituição para uma PEC alternativa e democrática
Será
que, diferentemente do que o governo quer nos convencer, há outras
possibilidades para acertar as contas públicas? A resposta é sim. A escolha
feita pelo governo federal foi, claramente, política. A proposta a seguir, de
uma PEC alternativa, ilustra outra possível solução (com algum nível de
humor).
Art. 1
– A partir de já, a sonegação, que se apropria de cerca de 10% do PIB, alguma
coisa perto dos 500 ou 600 bilhões de reais a cada ano, será reduzida, até
desaparecer em um prazo de 20 anos.
Parágrafo
único – Os praticantes da sonegação ficarão impedidos de usar bens e serviços
públicos que tenham sido construídos ou sejam mantidos com recursos públicos,
como, por exemplo, as universidades, o atendimento pelos bombeiros ou pelo
SAMU. Sonegadores não poderão usar ruas, estradas, viadutos e aeroportos e
ficarão proibidos de tirar passaportes e carteira de motorista e de apelar
para o Poder Judiciário.
Art. 2
– A alíquota máxima de imposto de renda deverá ser duplicada, para se
aproximar daquela praticada nos Estados Unidos da América, país tão
idolatrado pela elite nacional (cerca de 40% federal e 13% estadual).
Art. 3
– A participação no lucro e os dividendos serão tributados da mesma forma que
são tributadas as rendas dos trabalhadores.
Art. 4
– As alíquotas máximas dos impostos sobre doação e herança serão igualadas
àquelas dos países capitalistas, inclusive os EUA, atingindo 40% para valores
que excederem cem vezes a renda per capita nacional.
Art. 5
– O imposto sobre grandes fortunas terá uma alíquota máxima comparável
àquelas encontradas nos países capitalistas organizados, que podem atingir
cerca de 1% anual para patrimônios que excedam a cem ou duzentas vezes a
renda per capita nacional.
Art. 6
– A partir de 2017, os gastos correntes com o pagamento da parte real da
dívida pública não poderão exceder os valores do ano anterior corrigidos pela
inflação.
A opção
do governo foi outra
Uma
opção como a ilustrada acima não apenas resolveria os problemas de caixa que
o governo (sem votos) alega ter como geraria recursos suficientes para que
fossem atingidos os 10% do PIB para a educação pública, para que os recursos
da saúde pública fossem duplicados, para que os programas de inclusão social
atingissem mais pessoas e para que os bolsões de atraso e pobreza
desaparecessem em poucas décadas.
Mas a
opção do governo federal foi jogar a conta para os aposentados e os
pensionistas, os estudantes e professores, os usuários do SUS, os pobres, os
moradores das regiões mais atrasadas do país etc. Ao fazer isso, ele preserva
os sonegadores e mantém nossas alíquotas de impostos em valores que
inviabilizariam qualquer país capitalista, seja ele rico ou pobre,
industrializado ou não, mostrado de que lado está e quem são seus amigos e
apoiadores.
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