A educação é um fator que revela, além de muitos outros aspectos, o nível de desenvolvimento social e cultural de um país ou de uma região bem como sua possibilidade de produção econômica. Em outras palavras, não há nenhum caso de país que possa ser considerado socialmente desenvolvido sem ter um bom padrão educacional. Igualmente, não há nenhum país com produção econômica alta em termos per capita sem um bom sistema educacional. As exceções nesse último caso, são os países exportadores de recursos naturais, petróleo em particular, cujos PIBs pouco dependem do nível de preparo de suas forças de trabalho.De forma equivalente, os padrões escolares atuais de um país indicam as possibilidades futuras tanto no que diz respeito ao desenvolvimento social como ao crescimento econômico.
Mas, como avaliar o padrão educacional de um país? Diferentemente de outras necessidades humanas, a educação não tem um padrão ideal, acima ou abaixo do qual é prejudicial, como ocorre, por exemplo, com a alimentação. Na atual realidade mundial, podemos dizer que, no caso da educação, quanto mais, melhor. Assim, o critério para avaliar o padrão escolar de um país ou uma região é, necessariamente, comparativo: como é o presente em relação ao passado e como é sua situação em relação aos demais países ou regiões. Com essa perspectiva, vamos ver como está a América do Sul.
Indicadores educacionais
Uma avaliação educacional detalhada pode depender do exame de muitas variáveis e, mesmo, dos detalhes de cada uma delas. Entretanto, para uma avaliação ampla, alguns poucos indicadores quantitativos podem ser suficientes. Assim, vamos usar apenas dois indicadores para avaliar a situação da educação na América do Sul: a taxa de analfabetismo de pessoas com 15 anos de idade ou mais e a taxa de inclusão de jovens no ensino superior [1] ambos sistematicamente divulgados pelo instituto de estatística da Unesco [2]. As flechas da figura mostram como variaram esses indicadores em 11 dos 12 países da América do Sul [3] entre 1980 e 2010, enquanto a flecha tracejada indica a variação nos países industrializados no mesmo período. As flechas começam na situação encontrada em 1980 e terminam na situação de 2010.
Antes de uma análise mais pormenorizada, é necessário considerar que os dados têm alguma margem de incerteza, por causa das incertezas intrínsecas dos levantamentos estatísticos, das diferenças de aplicação, em cada país, dos critérios recomendados pela Unesco, do rigor com que os diferentes países procedem o levantamento dos dados e de vários outros fatores. Embora as margens de incerteza possam impedir uma conclusão definitiva quando dois países apresentam diferenças relativamente pequenas nos indicadores, elas não afetam as conclusões que podemos tirar a partir de variações mais significativas, como aquelas observadas entre 1980 e 2010.
Outro aspecto que impede conclusões baseadas em pequenas diferenças dos indicadores entre dois países é a qualidade da educação. Assim, por exemplo, dois países com iguais taxas de inclusão no ensino superior podem, de fato, apresentar grandes diferenças quanto ao seu efeito na realidade nacional. Essas diferenças podem depender de como os estudantes se distribuem pelas diferentes áreas de conhecimento, do tipo de instituição, da qualidade na formação, da evasão durante o curso, de como instituições e cursos se distribuem pelo país, entre vários outros fatores. Mais ainda: como os indicadores considerados são baseados em médias, eles nada dizem como a educação se distribui pela população. Assim, dois países com médias iguais podem ser muito diferentes se as distribuições da educação pela população em um deles for relativamente uniforme e em outro a mesma média for consequência de dois grandes contingentes populacionais, um altamente escolarizado e outro, analfabeto.
Figura 1 – As flechas indicam a variação dos dois indicadores educacionais considerados nos países sul-americanos entre 1980 e 2010.
Com essas limitações em vista, vejamos o que de mais significativo mudou entre 1980 na América do Sul. Em 1980 (início das flechas, marcados com um círculo), havia dois grupos relativamente separados de países: Bolívia, Peru, Paraguai, Brasil e Suriname com indicadores de analfabetismo e de inclusão no ensino superior bastante baixos e Chile, Argentina e Uruguai com indicadores relativamente elevados em relação aos demais. Equador, Venezuela e Colômbia ocupavam, naquele ano, uma posição intermediária. Em resumo, havia, em 1980, uma grande heterogeneidade educacional entre os países sul-americanos. A Bolívia, com uma taxa de analfabetismo da ordem de 35% e o Uruguai, com 5%, ilustra essa heterogeneidade.
A desigualdade interna em cada país era, em alguns casos, muito grande. O Equador, com uma taxa de analfabetismo de cerca de 20% ao mesmo tempo em que incluía no ensino superior mais do que 30% de seus jovens ilustra bem a desigualdade interna de um país.
A heterogeneidade entre os países da América do Sul foi mantida em 2010, sendo que o grupo de países com melhores indicadores quantitativos – Argentina, Chile e Uruguai – passou a incorporar a Venezuela. O Equador e a Colômbia, que ocupavam uma posição intermediária em 1980, passaram a fazer parte do conjunto de países com piores indicadores educacionais, juntamente com Bolívia, Peru, Paraguai e Brasil, cujas posições relativamente ruins foram mantidas.
O Suriname, em 2010, passou a ocupar uma posição particular, com uma grande redução do analfabetismo em relação à situação em 1980, mas com uma taxa de inclusão no ensino superior bastante baixa em relação aos demais países. Se essa característica do desenvolvimento da educação no Suriname for um esforço no sentido de priorizar o aumento da escolaridade média da população sem criar desigualdades, uma grave característica de alguns sistemas educacionais, como o brasileiro, por exemplo [4], ele está no bom caminho; mas se essa característica indicar uma incapacidade nacional de fomentar níveis mais avançados de educação, o caminho está errado.
Quando os indicadores educacionais dos países da América do Sul são comparados com os indicadores dos países industrializados e de alta renda, algumas observações parecem interessantes. Em 1980, com exceção talvez dos índices de alfabetização do Uruguai e, em menor grau, da Argentina e do Chile, os dois indicadores dos países da América do Sul aqui analisados eram piores, ou mesmo bem piores, do que os indicadores dos países industrialmente desenvolvidos. Em 2010, os indicadores educacionais da Argentina, Chile, Uruguai e Venezuela, com exceção da taxa de analfabetismo neste último, são equivalentes às dos países industrializados. Esse fato talvez indique que a diferença educacional entre nossos vizinhos geopolíticos mais avançados em termo educacionais e os países industrializados não seja mais perceptível nesses indicadores, podendo ter migrado para indicadores educacionais além do ensino superior, como a pós-graduação ou a pesquisa científica, esta última fortemente dependente de um sistema escolar mais sofisticado, ou se manifestam apenas nos indicadores qualitativos.
Os demais países – Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Suriname – apresentavam em 2010 indicadores educacionais significativamente inferiores aos dos demais países. Além disso, a comparação desses países com a realidade dos países desenvolvidos em 1980 sugere um atraso educacional superior a três décadas em relação a estes últimos. Aparentemente, na Bolívia e no Peru o problema atual mais grave é do analfabetismo enquanto no Brasil e no Suriname, o maior problema parece estar na inclusão no ensino superior.
Se é possível uma conclusão...
Os países sul-americanos melhoraram seus indicadores educacionais ao longo das últimas décadas de modo consistente. Entretanto, é necessário observar que são raros os casos de países que retrocedem nesses ou em outros indicadores sociais em um período de algumas décadas e os poucos que retrocederam foram vítimas de guerras internas ou externas, invasões estrangeiras, tragédias naturais ou epidemias, ações violentas por parte dos países econômica e/ou militarmente mais fortes (usualmente, em busca de recursos naturais) ou uma combinação desses fatores. Assim, a melhora observada nos países sul-americanos não é nenhum mérito intrínseco desse conjunto de países, mas uma característica atual em todo o Mundo. Apesar desse desenvolvimento, a América do Sul ainda está muito distante dos padrões educacionais encontrados nos países industrializados.
Se queremos construir um futuro mais promissor para nossa região, Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Suriname devem fazer um esforço educacional intenso para melhorar seus indicadores educacionais quantitativos, reduzindo, assim, as desigualdades entre os demais países. Afinal, desigualdades podem servir de fermento para situações políticas que a ninguém deveria interessar. Além disso, cada país deve desenvolver seu sistema educacional evitando as desigualdades internas, as quais acabam por se transformar em desigualdades regionais e de distribuição de renda – problemas infelizmente bem conhecidos dos brasileiros – e que levam a tensões que nada contribuem para o desenvolvimento nacional.
[1] Uma das formas padronizadas de se medir a taxa de inclusão no ensino superior é comparar o número total de matrículas com a população em uma faixa etária de cinco anos iniciando-se ao final do ensino médio. Esse indicador, chamado de taxa bruta de matrícula no ensino superior pela Unesco, é aqui chamado resumidamente de taxa de inclusão.
[2] UIS-Unesco, www.uis.unesco.org, consultado em maio/2014
[3] Há um único ano, 1999, para o qual há informação sobre o analfabetismo na Guiana disponibilizado pela Unesco, de 15%. A taxa de inclusão no ensino superior nesse país variou de aproximadamente 3% em 1980 para cerca 12% em 2010. Por causa da restrição de informações, a Guiana não foi incluída nesta análise.
[4] Sobre a relação entre desigualdade e educação, veja o artigo “O círculo vicioso da desigualdade”, em “http://www.cartacapital.com.br/sociedade/quase-um-teorema-4522.html
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