3 de set. de 2013

Educação e Petróleo

Publicado originalmente em Caros Amigos n. 64, set/2013, em coautoria com Ildo Luís Sauer, Diretor do Instituto de Energia e Ambiente da USP e ex-Diretor de Gás e Energia da Petrobras


    Há dois parâmetros financeiros que resumem a capacidade de um país oferecer educação para sua população. Um deles é a fração do PIB (produto interno bruto) destinada ao setor. Países que têm um sistema educacional público, adequado às suas necessidades, sem problemas crônicos a superar e sem grandes contingentes de crianças e jovens investem cerca de 7% a 8% de seus PIBs na educação pública. Países que superaram ou estão superando atrasos educacionais grandes, como são os nossos, investiram ou investem valores da ordem de 10% do PIB na educação pública.

Atualmente, o Brasil investe cerca de 5% do seu PIB em educação pública, um subinvestimento cujo resultado evidente é o que vemos: enormes evasões escolares, professores e demais trabalhadores sub-remunerados, carência de profissionais em diversas áreas etc.
   Um segundo parâmetro é o investimento por estudante e por ano em comparação com a renda per capita do país. Países ricos ou pobres, mas que mantêm um bom sistema educacional, investem cerca de 25% a 30% da renda per capita na educação básica. No caso brasileiro, esse percentual está, em média, próximo dos 15%, sendo que em muitos estados e municípios e etapas e modalidades do ensino, os investimentos por aluno e por ano estão abaixo mesmo de 10% da renda per capita. Esse padrão de investimento é suficiente para explicar classes superlotadas, professores sobrecarregados, baixo desempenho dos estudantes etc. Esse subinvestimento transfere para o sistema educacional um dilema que jamais poderia ter: caso ele combata a evasão escolar que ocorre ainda durante o ensino fundamental e que tem atingido, nas últimas décadas, cerca da terça parte das crianças, os investimentos por estudante seriam ainda mais reduzidos, provocando um aumento do número de alunos nas salas de aulas e da carga de trabalho dos professores.
    A recém divulgada melhoria no índice de desenvolvimento humano do País  (IDH=0,727) é composto por três indicadores: Renda (0,739), Longevidade (0,816) e, o pior deles, Educação (0,637). Portanto, qualquer recurso adicional dirigido ao setor educacional é muito bem recebido, inclusive os royalties do pré-sal . Entretanto, é necessário analisar valores, prazos e consequências desses recursos, tanto para o sistema educacional como para a política energética.

    Prazos e valores
    O projeto de lei em tramitação no Congresso propõe que sejam destinados à educação: “a) as receitas dos órgãos da administração direta da União, dos Estados, do DF e dos Municípios, provenientes dos royalties e da participação especial decorrentes de áreas cuja declaração de comercialidade tenha ocorrido a partir de 03/12/12, relativas a contratos celebrados sob os regimes de concessão, de cessão onerosa e de partilha de produção...; b) 50% dos recursos recebidos pelo Fundo Social (Lei nº 12.351/2010) até que sejam cumpridas as metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação; c) as receitas da União decorrentes de acordos de individualização da produção”.
    Uma primeira questão é quanto ao tempo que demorará para que os recursos cheguem às salas de aula. Desde a primeira vez que a proposta de destinar recursos do pré-sal para a educação surgiu, já se passaram mais do que cinco anos, exemplificando a demora. Após a declaração de comercialidade, o início da produção se dá, tipicamente, num prazo mínimo de 5 anos. Portanto, o  tempo que demorará até que os royalties previstos cheguem ao sistema educacional é incerto, mas, certamente, longo. Podem decorrer dez ou mais anos entre a definição legal, a forma de exploração e o início das prospecções até que a exploração atinja seu valor esperado.
    Além da espera, os valores que os royalties e outras fontes poderão gerar são muito incertos, pois dependem dos resultados das explorações, do volume da produção, dos preços nacionais e internacionais dos combustíveis, dos valores dos royalties (apenas os limites mínimo e máximo são definidos em leis) e de algumas outras variáveis. E se a comparação for em relação ao PIB, dependerá, ainda, de como este vier a evoluir.
    Mas os recursos, além de incertos, serão muito pequenos, praticamente desprezíveis quando comparado com as necessidades de financiamento da educação pública, que são da ordem de 5% adicionais do PIB. Apesar das incertezas, podemos ter alguma ideia dos valores a partir da realidade atual: um aumento da produção da ordem de dois milhões de barris diários, um preço da ordem de R$ 200 por barril, um valor médio dos royalties de 8% da produção e um PIB de 4,8 trilhões de reais em 2013 e crescente a uma taxa de 3% ao ano. Caso a produção de petróleo dobre em dez anos, os royalties gerados por esse aumento estariam, com as hipóteses acima, abaixo 0,2% do PIB.

A máxima receita anual total, royalties e participações especiais, atingiu em 2008, cerca de 22 bilhões de reais, menos de meio por cento do PIB daquele ano. Estes números poderão se incrementar, com a maior produção futura do petróleo, dependendo da evolução dos preços, determinado por fatores geopolíticos e estratégicos. Porém, na partilha, embora haja aumento dos royalties para a faixa de 15%, contra os 5-10% dos contratos de concessão, não haverá participações especiais.
Tanto os valores quanto os prazos objeto das discussões que vem mobilizando vários segmentos do País, são incompatíveis com os requerimentos para a Educação. Há muita desinformação e manipulação, dissimulando a realidade com expectativas e promessas falsas. Da forma como colocado hoje o debate em relação ao petróleo, ele  não sinaliza saída para os problemas da educação nem da saúde, nem para a mudança social e econômica do País.

Consequências para a educação
    Além dos valores serem baixos, tanto o preço do petróleo como o volume de sua produção podem apresentar grandes variações. Por exemplo, se as articulações entre os grandes consumidores, como os EUA e a China, surtirem efeito, o preço do petróleo pode ser reduzido para a metade, embora as previsões atuais ainda indiquem uma provável permanência acima de US$100/barril, a menos de cataclisma geopolítico. Com isso, aquele 0,2% do PIB estimado acima, já desprezível, também seria reduzido para a metade.    Assim, o financiamento da educação seria submetido a flutuações que em nada contribuiriam para seu funcionamento. Será que teremos que ouvir prefeitos ou governadores dizendo a seus professores frases como estas, “este ano, nós vamos reduzir o número de professores e de salas de aula porque o preço do petróleo na bolsa de Nova Iorque caiu”, ou “tenho uma boa notícia para os educadores: este ano haverá um aumento salarial porque a invasão de tal país fez o preço do petróleo disparar” ou, ainda, “como o preço do petróleo pode cair para até 50 dólares em 2015, ao invés dos quase 100 dólares atuais, graças à revolução do gás de folhelho (frase tirada de uma notícia recente de jornal), não haverá reposição inflacionária dos salários nos próximos anos”?

    Consequências na política energética
    Outra questão quanto à vinculação do financiamento da educação à exploração de combustíveis fósseis, é o efeito que ela pode ter sobre a política energética nacional. Por exemplo, embora a questão ainda esteja em discussão no Congresso, pela atual legislação grande parte dos royalties é gerado pelas concessões, regime no qual a propriedade do petróleo e outros combustíveis é transferida para uma empresa privada, perdendo a União qualquer poder de decisão. Assim, nossos estudantes, pais e professores deverão fazer passeatas em favor de maior e mais rápida privatização da exploração do petróleo?
    Mais um aspecto complicado. Muitas vezes é mais interessante do ponto de vista do desenvolvimento nacional deixar o petróleo debaixo da terra do que explorá-lo. Isso gera outra contradições. Devemos esgotar rapidamente nosso petróleo, inclusive exportando-o, transferindo para o futuro os atuais problemas nacionais, tanto na área educacional como energética? Ou devemos explorá-lo apenas na quantidade necessária para responder às necessidades energéticas do país e manter as reservas sob a terra, guardando-as para tempos futuros nos quais sua disponibilidade esteja reduzida e os preços, consequentemente, muito elevados, mesmo que isso prejudique a educação?

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Evolução da distribuição de Royalties, segundo beneficiários 1999-2010. Fonte: López Suárez, Lizett Paola, Renda petrolífera: Geração e apropriação nos models de organização da indústria brasileira, tese de doutorado, IEE-USP, 2012


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Evolução da distribuição de Participações Especiais, segundo beneficiários 2000-2010. Fonte: López Suárez, Lizett Paola, idem




    Contribuição que o Petróleo e outros recursos naturais podem oferecer
    A Constituição Federal garante em seu Art. 5 os direitos sociais a todos os brasileiros, a começar pela educação, saúde e moradia. Os Governos têm alegado a falta de recursos para o cumprimento deste mandamento. Porém, o Art. 20 da mesma Constituição afirma que são patrimônios da Nação os recursos do subsolo, incluídos aí o petróleo e os demais recursos minerais, e também os potenciais hidráulicos.
    A destinação da totalidade desses recursos, pertencentes ao povo, para o resgate de seus direitos, em lugar de apenas royalties ou participações especiais, poderia, realmente, alavancar de forma significativa o desenvolvimento nacional. Todavia, isso exige uma mudança radical no planejamento da exploração, no desenvolvimento da produção e sua inserção na economia nacional e internacional. Por exemplo, no caso do Pré-Sal, sabe-se que estão confirmados cerca de 50 bilhões barris. Poderão ser 100, 200 ou 300 bilhões de barris. Em 60 anos de história do Pós-Sal, a Petrobras descobriu 20 bilhões de barris e produziu cerca de 5 bilhões. (Apenas para comparação: os líderes da OPEP, Arábia Saudita e a Venezuela, contando com o óleo ultrapesado, tem reservas de cerca de 300 bilhões de barris; o segundo grupo da OPEP, Iraque, Irã, Emirados, Kuwait, Líbia, etc, possui entre 80 e 120 bilhões de barris.)
O petróleo, bem como alguns outros recursos naturais específicos, permitem a extração de excedentes econômicos extraordinários, com taxas de lucro muito superiores aos dos demais setores econômicos, concorrenciais. A primeira providência do País, portanto, deveria ser a contratação da Petrobras para concluir o processo exploratório, a um custo de cerca de apenas 6 bilhões de dólares, para definir o volume do petróleo do Pré-Sal. Dependendo do resultado, o país poderia definir um plano de produção, articulado com a OPEP e Rússia, por exemplo, para angariar os recursos requeridos para financiar um plano nacional de desenvolvimento social e econômico, com ênfase na educação e saúde públicas, seguidos de ciência e tecnologia, reformas urbana e rural, proteção ambiental e infraestrura produtiva. Em seguida, deveria alterar os modelos de concessão e partilha para o da prestação de serviços, pela Petrobras e usar a totalidade dos recursos gerados para o financiamento de seu desenvolvimento, não apenas royalties e participacões especiais. Vejamos o quanto essa mudança política poderia gerar.
O custo direto, somente amortização do capital e trabalho, para descobrir, desenvolver e produzir um barril de petróleo, varia de US$1,0 (Arábia Saudita) a 10-15 US$/barril (Brasil, inclusive Pré-Sal). A diferença entre este custo direto e o preço de cerca de US$100/barril, são transferências (impostos, taxas, royalties, participações etc.) e lucros. A contratação da Petrobras pelo regime de serviço, por cerca de US$25/barril, nas condições atuais, permitiria gerar um excedente de US$75,00/ barril. Se forem confirmados os quase assegurados 100 bilhões de barris, a serem produzidos em 40 anos, teríamos uma produção anual de 2,5 bilhões de barris, com um excedente anual de próximo de 190 bilhões de dólares, quase 400 bilhões de reais (8% do PIB). Se forem reservas de 300 bilhões de barris, estes números triplicariam, podendo chegar a um excedente anual superior a 1,2 trilhão de  reais, quase um terço do PIB atual. Num quadro como este, tanto os recursos naturais quanto a capacitação tecnológica da Petrobras, também patrimônio público, estariam  contribuindo para a efetiva transformação das condições de vida da população, a começar pela educação.
Mas isto depende de uma organização e luta política, substancialmente e qualitativamente diferente do que está ocorrendo no País, a começar pelo fim das mistificações e tergiversações, e pela campanha de informação e mobilização popular. Permanecerá porém a limitação dos prazos: tomada a decisão política, o ritmo realista das atividades necessárias aponta para uma curva cujos resultados iniciais, ainda modestos, somente serão viáveis a partir de 5 anos, podendo chegar a plenitude em uma década.

    Conclusão
    Qualquer quantidade adicional de recursos para a educação será bem-vinda. Entretanto, não podemos ter ilusões quanto aos recursos gerados pelos royalties do pré-sal: são muito pequenos, no modelo atual, instáveis e carregam contradições, tanto para o sistema educacional como para a política energética do país.
    Precisamos de mais 5% do PIB destinados à educação pública. Sem isso, continuaremos a ter um sistema educacional desigual, precário e capaz de comprometer o futuro social e econômico do país. A educação pública deve ser financiada por impostos, preferencialmente diretos, que gravem mais intensamente bens e produtos supérfluos e os segmentos mais favorecidos da população, os quais não teriam sua qualidade de vida afetada. Não tem nenhum cabimento procurarmos soluções heterodoxas para o financiamento de nossa educação pública, muito menos criarmos ilusões como as geradas pelos royalties do pré-sal.

Um comentário:

  1. Excelente artigo Otaviano. Parabéns pela análise. Está me ajudando muito e estou utilizando em minhas palestras e aulas na Universidade. Um grande abraço, Vera Jacob

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