O estado dos nossos Estados, publicado originalmente no Correio da Cidadania, 14/5/2012
Há um círculo vicioso claro no nosso sistema educacional: quanto maior a renda da família de uma criança, ou jovem, maior será o número de anos de estudo que completará e melhor será a escola frequentada; e, uma vez que a renda de um adulto depende de sua escolarização, a renda futura de um jovem será tão maior quanto maior for sua renda familiar atual, e assim voltamos para o início do círculo.
O mesmo se reproduz no que se refere à renda nos diferentes Estados: onde o poder aquisitivo da população é menor, os indicadores educacionais estão significativamente abaixo da média nacional; inversamente, nos Estados com maiores rendas per capita, como se verifica nos gráficos abaixo.
A figura 1 mostra os resultados do Ideb de 2009 e as rendas per capita dos diferentes Estados. Cada um dos pontos corresponde a um Estado e a linha contínua ilustra a tendência média. Como é evidente, há uma forte correlação entre os indicadores. Embora haja exceções – alguns Estados apresentam resultados do Ideb bem acima ou bem abaixo da tendência geral – a regra “quanto maior a renda per capita no Estado, maior o valor do Ideb” é clara. E, infelizmente, as exceções positivas, que poderiam indicar uma política efetiva de propiciar uma melhor educação, são meramente frutos de variações casuais e aleatórias, pois outros indicadores reproduzem a regra.
A figura 2 mostra, como outra ilustração da regra, a relação entre a renda per capita e a taxa de conclusão do ensino superior. Novamente, embora haja exceções, fica claro que o desempenho educacional depende praticamente apenas das possibilidades econômicas da população: quanto mais pobres os habitantes de um Estado, menores as taxas de conclusão do ensino superior.
As consequências dessas correlações entre o desempenho educacional e a renda per capita são graves. Em particular, uma vez que a escolaridade da população é um dos determinantes mais importantes para viabilizar o crescimento da produção econômica, os Estados e regiões mais pobres continuarão mais pobres por muitas décadas, dificultando a superação de um dos maiores problemas que afligem o país: suas enormes desigualdades.
Além dessa forte correlação entre o desempenho educacional e as condições econômicas, quando os Estados brasileiros são comparados com outros países, vemos que os indicadores educacionais de cada um deles estão abaixo do que se observa em países com rendas per capita equivalentes. Quanto às taxas de matrícula no ensino superior, em média, são aproximadamente 20% inferiores àquelas de países equivalentes. Enquanto nos Estados mais pobres as taxas de matrícula se aproximam da realidade de países como Índia ou Marrocos, os Estados mais ricos apresentam taxas de matrícula próximas das da Turquia ou Tailândia, em todos os casos, países de renda per capita inferiores às dos Estados correspondentes. E nossas maiores taxas de matrícula no ensino superior estão abaixo, ou até muito abaixo, das mesmas taxas em países como o Uruguai, Cuba ou Argentina. Esses fatos mostram que as diferenças entre os Estados não é, por assim dizer, na boa direção, alguns Estados “puxando” os indicadores educacionais para cima e dando, portanto, uma contribuição para o país. Ao contrário, todos os Estados estão “puxando” os indicadores para baixo.
Temos uma política educacional? Indicadores apenas quantitativos escondem a realidade qualitativa de nossa educação, marcada por um atendimento precário na educação infantil, deficiências gravíssimas na educação básica e baixa qualidade, tanto acadêmica como social, no ensino superior, neste último caso especialmente, mas não só, por causa da enorme privatização do setor. Entretanto, as correlações entre indicadores econômicos e indicadores educacionais mostram que não temos, realmente, uma política educacional e as várias medidas não quebraram aquele círculo desastrosamente vicioso.
Uma política educacional que respeite os ideais republicanos não deveria permitir que fatores econômicos nele interferissem. Em se tratando de diferenças econômicas entre pessoas, a forma de se evitar que a desigualdade entrasse nas escolas seria por meio de instrumentos de gratuidade ativa, que compensassem as despesas pessoais e familiares direta e indiretamente geradas pela frequência à escola. E no caso de Estados e municípios, ações públicas deveriam compensar suas diferenças econômicas.
Por não termos tais políticas, os resultados educacionais dependem só das condições econômicas das pessoas. Em resumo, nosso sistema educacional está simplesmente reproduzindo as desigualdades e a educação, entre nós, é uma espécie de subproduto da economia e não um fator de desenvolvimento pessoal e de emancipação nacional.
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